Oração pelo cotidiano insano deste verão do Rio

Atualizado em 29 de janeiro de 2015 às 4:30

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Minha luta é pelo equilíbrio entre sentir e nada fazer. Entre combater monstros e o cuidado para não me transformar em um.

Por uma agradável caminhada até a praia, pulando os mendigos pelas calçadas, como Gene Kelly em Dançando na Chuva.

E se já na areia um arrastão me arrastar, minha luta é por desapego aos bens materiais ou por conseguir enxergar o lado bom de toda história e agradecer pelo que ficou, seja o filtro solar, o dinheiro da passagem no bolso ou o baseado.

E se ao acender o baseado um guardinha me levar para a delegacia, que nem por um instante eu duvide que ele também é vítima.

E se no ônibus lotado, parado no trânsito, sem ar-condicionado, a 42°C na sombra, outro policial cumprir ordens de revistar os passageiros pretos que vem da zona norte, que eu seja capaz de respirar fundo e ainda lembrar no dia seguinte de aplaudir o pôr do sol.

E se no entardecer do Arpoador, jogarem pedras ou me ameaçarem com o inferno por beijar alguém do mesmo sexo, que nunca me esqueça que o inferno são eles e sempre me afaste, sem rancor.

E se o mesmo morador de rua que eu pulei na ida, olhar nos meus olhos na volta e pedir ajuda, que eu ainda consiga olhar de volta e sentir em parte a sua dor.

E se no fim do dia eu tiver uma casa para ir e nela faltar água, que eu me sinta mais próximo de quem não tem nada.

E se no campo de golfe não faltar, que me sobre coragem para quebrar suas torneiras.

Amém.