Os jogadores brasileiros podiam aprender com Maradona a ser menos covardes fora do campo. Por Sacramento

Atualizado em 24 de maio de 2016 às 9:31
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Por duas vezes Diego Maradona manifestou seu apoio à presidente eleita Dilma Rousseff e ao ex-presidente Lula. As mensagens postadas no Facebook do craque argentino contrastam com o silêncio dos boleiros brasileiros a respeito do movimento golpista que se instalou no país após as eleições de 2014.

Nenhum jogador selecionável ou ex-atleta do primeiro escalão do futebol teve a coragem de ir a público e deixar umas poucas linhas em repúdio ao golpe para afastar a presidente eleita, apesar da fartura de matérias da mídia internacional explicando a sordidez do processo de impeachment.

O silêncio, no entanto, não surpreende. Da mesma forma que Dieguito nunca omitiu sua face esquerdista e rebelde, a ponto de se considerar amigo de Fidel Castro e se recusar a conhecer o príncipe Charles, a classe futebolística brasileira não é dada atitudes progressistas.

Assuntos como racismo, violência urbana ou a desigualdade social endêmica no país são ignorados ou tratados com a frivolidade das campanhas publicitárias.

Muitos jogadores, justiça seja feita, patrocinam projetos sociais voltados para crianças e jovens carentes, mas na maioria das vezes com um bom mocismo artificial forjado em agências de marketing.

Nem mesmo a turma politizada da atualidade, representada pelo movimento Bom Senso FC, expressou indignação com as reinações de Michel Temer e sua cambada, apesar da nomeação de Gustavo Perrella, ligado umbilicalmente ao Cruzeiro, para a Secretaria Nacional do Futebol.

Entre os ex-craques que se aventuram na política, o mais célebre deles, Romário, votou a favor de impeachment e tem mostrado em sua atuação como senador um republicanismo comportado que nunca existiu nos tempos de centroavante matador.

Embora várias torcidas, principalmente a dos Corinthians, manifestaram-se contra o golpe, não existe nenhum clube abrigando um movimento parecido com a Democracia Corinthiana ou nomes engajados como o treinador João Saldanha ou o jogador Afonsinho, ambos atuantes nas décadas de 1960 e 1970.

Militante do PCB, Saldanha atuou como jornalista e treinador de futebol, vindo a treinar a seleção brasileira em 1969. Apesar de montar o time que viria a se tornar tricampeão mundial, foi dispensando por não acatar as sugestões do presidente militar Emílio Garrastazu Médici na escalação do time.

A insubmissão de não convocar o atacante Dadá Maravilha não foi nada perto de outras estripulias perigosas: nas viagens ao exterior, Saldanha levava ajuda aos exilados e documentos com denúncias das torturas promovidas pelo regime militar.

Como João Saldanha, o jogador Afonsinho mostrou talento tanto na arte do futebol quanto no ofício da subversão. Revelado pelo XV de Jaú, destacou-se no Botafogo, time que ajudou a conquistar dois campeonatos cariocas, um torneio Rio-São Paulo e uma Taça Brasil.

A habilidade do meio campista, cotado para a seleção de 70, era proporcional ao espírito contestador. Após desavenças com a diretoria do Botafogo, que lhe rendeu um exílio no Olaria, time do subúrbio do Rio de Janeiro, Afonsinho entrou na Justiça e se tornou o primeiro jogador brasileiro a conquistar o passe livre.

Fazendo valer o rótulo de “subversivo”, arriscou-se a entrar para a história de um modo mais doloroso, ao esconder em seu apartamento o militante Raul antes deste lutar e desaparecer na guerrilha do Araguaia.

O escritor Albert Camus, também entusiasta do futebol, escreveu que “um homem é mais homem pelas coisas que silencia do que pelas que diz”. Ao se calar a respeito deste momento sombrio da política nacional, a classe futebolística brasileira revela todo o seu compromisso com o status quo, a despeito do que penteados ousados ou coleções de tatuagens possam sugerir.