Os jornalistas esportivos se comportaram como abutres com Dunga. Por Paulo Nogueira

Atualizado em 15 de junho de 2016 às 19:03
Chutado quando já estava no chão
Chutado quando já estava no chão

O que mais chama a atenção no caso Dunga é a desumanidade com que a crônica esportiva tratou Dunga.

Não bastava a demissão, já em si um trauma. Os comentaristas esportivos agiram como abutres.

Neymar teve toda a razão em chamá-los, genericamente, de babacas.

Nos programas esportivos, Dunga foi simplesmente linchado. Não havia críticas a ele. Havia raiva, ódio.

Julgamentos sumários foram feitos, e Dunga foi implacavelmente condenado. Num programa de debates, disseram que Dunga não tinha sequer condições de dirigir um time brasileiro da série A.

Com ares de Guardiola, o comentarista dizia que Dunga deveria fazer um curso de técnico no exterior.

A impressão que se tinha é que bastava entregar o comando da seleção a qualquer um dos comentaristas.

E no entanto qual é a culpa de Dunga? Os jogadores que temos são estes. Que milagre se pode fazer?

Os jornalistas esportivos parecem viver numa realidade paralela. Eles esperam da seleção nacional o mesmo desempenho que ela teve nos anos de ouro do nosso futebol, de 1958 a 1970.

Mas onde está Pelé, e Rivellino, e Gerson, e Garrincha, e Didi, e tantos outros?

Falava disso hoje a um amigo meu santista. “Você não pode ver o Santos hoje e pensar no Santos do Pelé. Você tem que ajustar as expectativas.”

Falta isso à crônica esportiva: ajustar as expectativas à realidade.

Dunga foi tratado como se comandasse os jogadores do passado. Ninguém pode dar a técnico nenhum isso.

Tite provavelmente será vítima também das expectativas irrealistas. Que ele poderá fazer que Dunga não tenha feito? Pouco tempo atrás, o Corinthians foi eliminado da Libertadores ainda em seu início no seu próprio estádio. Antes, fora batido também no Paulista por um time que sequer nome decente tem.

O que acontecerá com Tite quando este tipo de situação ocorrer na seleção? Será triturado como Dunga, e antes dele Felipão e Mano Menezes. A crônica não respeitou sequer o título mundial de Felipão, ela que bajula servilmente técnicos que jamais chegaram perto disso, como Guardiola e Mourinho.

Dunga estava no chão, demitido, e os cronistas se lançaram contra ele com ferocidade.

Nenhum ponderou o óbvio: os jogadores são aqueles. Nenhum deles, nem Neymar, seria titular em 1958, 1968 e 1970, quando fomos campeões mundiais com equipes excepcionais.

Não falta apenas um pé na realidade para a crônica esportiva. Falta também, como mostrou o caso Dunga, humanidade. Falta também caráter.