Os PMs e os traficantes de Cristo têm Jesus no coração para poder barbarizar. Por Mauro Donato

Atualizado em 3 de outubro de 2017 às 7:41
PMs de Cristo oram em culto

 

“Ou é uma coisa ou outra. Se é evangélico, não pode ser traficante e vice versa” disse o pastor Demétrio Martins. Ele conhece bem a matéria. Já foi o segundo na hierarquia do Comando Vermelho.

O agora pastor deu a declaração recentemente, após traficantes evangélicos ordenarem ataques a quase uma dezena de casas de seguidores de religiões afro-brasileiras. Demétrio condenou e viu contradição na rotulação ‘tráfico evangelizado’.

Não há, pastor. Eram sim traficantes, criminosos e eram sim evangélicos. Assumiram isso em vídeo e postaram nas redes sociais. As ações não tiveram nenhuma relação com o tráfico ou disputa de área e sim unicamente com o credo religioso das vítimas. E mais: são as duas coisas – traficantes e evangélicos – pois foram convertidos em suas temporadas na prisão.

Já um outro grupo que também esteve em evidência nos últimos dias, certamente irá afirmar que não existe contradição em ser policial e evangélico. São os PMs de Cristo. Nesse caso, entretanto, há sim contradição, pois depende de onde começa um e onde termina o outro.

Nada contra a religião que cada um queira seguir. Em seu foro íntimo, o policial pode ser o que quiser, seguir a religião que bem entender, não seguir religião nenhuma até, se preferir. Isso é problema dele.

Mas misturar as duas coisas quando se está usando a farda, vai-se para um caminho por demais perigoso. Forças totalitárias como o fascio de Mussolini sempre contaram com o apoio da igreja para domesticar o cidadão e intensificar seu poder (e vice-versa, o Estado do Vaticano existe graças a isso, foi uma troca).

Eu não duvido que a origem dos PMs de Cristo (lá no ano de 2012) foi bem intencionada e dizia respeito às agruras de ser policial, suas dificuldades e proximidade com o perigo. Mas quando esse grupo se une para invadir uma assembléia pública cujas cadeiras são destinadas para a sociedade civil opinar sobre algum tema (como fizeram os PMs de Cristo na semana passada, convocados pelo seu presidente, o coronel Alexandre Marcondes Terra), tem-se uma noção exata do perigo.

Ao interferir nas questões civis, que devem obedecer a laicidade do Estado (de Direito, diga-se), a coisa sai do trilho.

Essa mistura entre polícia e igreja (que os PMs de Cristo consideram como ‘Missão’) não deixa claro que tipo de parceria é essa nem qual a responsabilidade de cada um. O coronel Evandro Teixeira, em uma entrevista para uma publicação gospel eletrônica, declarou:

“A minha proposta é que a polícia possa entrar mais no espaço da igreja, e que a igreja possa entrar mais no espaço da polícia (…) Nós estamos vendo índices criminais que preocupam a sociedade brasileira e paulista, mas a igreja não se une à polícia para tentar fazer alguma coisa.”

Percebeu o tamanho da encrenca? Se tivermos uma polícia que acredita que os índices de criminalidade são altos pois falta Jesus na vida das pessoas, estamos fritos. Os traficantes estão cheios de Jesus no coração e deu no que deu.

Em nome de Jesus fala-se muita bobagem e cometem-se muitas irresponsabilidades. Para os evangélicos, a umbanda e o candomblé são povoados por demômios. Ninguém menos que o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, já publicou em livro que ‘igrejas de matrizes africanas abrigam espíritos imundos’. Como afirmações como essas, ditas por ‘líderes’ desse calibre, são processadas na mente de alguém que está com uma pistola na cintura?

A publicação que veiculou a entrevista do coronoel Evandro, uma tal Guiame, apresentava em seu ranking das notícias mais lidas na semana: “Satanistas se unem a movimento LGBT para atacar empresários cristãos”.

Na apresentação de si mesmos, os PMs de Cristo são ‘uma agência missionária, abnegada, que atua a favor da valorização da pessoa humana do PM’.

Na página na internet, o grupo define a profissão como ‘uma atividade de grande risco, que exige muita coragem e determinação’ e que as ocorrências podem afetar a ‘sua integridade física e mental, razão pela qual não são poucos os que sofrem as consequências do estresse decorrente do serviço policial, afetando inclusive os seus familiares.’

Não duvido do nível de stress que essa profissão impõe. Mas gostaria de saber se a compaixão é extensível aos familiares das vítimas. Não encontrei nenhuma mensagem de conforto aos familiares de algum inocente que tenha sido morto por quem deveria prestar-lhe proteção.

Ou mesmo quando não completamente inocente, mas que, ao cabo, deveria ter sido julgado pelo justiça e não ter sido justiçado.

Esses fundamentalismos quando incidem sobre pessoas armadas, sejam traficantes ou policiais, não resultam em boa coisa. Nunca.