Os Tribalistas voltaram e eu lembrei da minha sofrida entrevista com Carlinhos Brown. Por Tom Cardoso

Atualizado em 15 de agosto de 2017 às 15:53

Publicado no Facebook de Tom Cardoso, jornalista e escritor.

Os Tribalistas voltaram. O que me faz lembrar, de novo, da mais longa e sofrida entrevista que fiz na vida, nos meus 25 anos de profissão.

O ano é 1996. Fui a Salvador, pelo Estadão, entrevistar Carlinhos Brown, na época fazendo sucesso com a Timbalada.

Cheguei no Candeal na hora combinada com a assessoria: 11 da manhã.

Carlinhos já estava lá, em pé, cercado por 15 jornalistas. Todos baianos.

Fiquei sabendo que ele daria uma coletiva para a imprensa local e depois falaria, separadamente, com os quatro jornalistas da “grande imprensa”: Antonio Carlos Miguel (O Globo), Silvio Essinger (Jornal do Brasil), Pedro Alexandre Sanches (Folha de S. Paulo) e o foca aqui.

Duas da tarde. Carlinhos ainda estava de pé, na mesma posição, cercado pelas mesmas pessoas. Estava morrendo de fome e fui até lá pegar um pouco de amendoim. Ouvi um trecho da entrevista:

(…) contemporâneos por terem trazido ao mundo, ou melhor, por fazerem renascer, a intuição da força que nós chamamos de Axé…

Três da tarde. Fui pegar mais um pouco de suco de cajá.

(…) A colonização portuguesa também nos trouxe uma doçura, um força bruta do querer lusitano, do fado enfadado.

Fado enfadado? Putaqueopariu.

Quatro da tarde. Fim da coletiva.

A assessora vira para o quarteto do Sudeste e diz:

“Carlinhos vai dar uma palavrinha com o pessoal do Correio Nagô”.

Seis da tarde. É noite no Candeal.

“Pronto. Carlinhos agora vai conversar com cada um. Quem será o primeiro?”

Foi minha a sugestão mais sensata da noite, acatada pelos outros três jornalistas: vamos fazer todos a mesma entrevista. Uma mini coletiva.

“Não, Carlinhos quer falar separadamente com cada um de vocês. Quem começa?

Agora a sugestão foi de Antonio Carlos Miguel, decano do jornalismo cultural:

“Eu sugiro que os mais velhos tenham preferência”.

Eu tinha 23, era o caçula do quarteto.

Nove da noite. Fim do papo com o Miguel.

Carlinhos sai da sala e vem em nossa direção.

“Tô com fome. Bora na Dadá”

Lá fomos para o restaurante da Dadá, em Pau Miúdo, no outro lado da cidade.

Entramos todos no Jipe de Carlinhos.

Ali mesmo, no banco da frente, Pedro Alexandre Sanches, cabelo ao vento, nascido dois anos antes, começou a entrevista.

“A baianidade vem do dispor, vem do otimismo por excelência, vem do amar, da sotorepolidade”

Sotorepolidade? Fudeu.

Dez da noite. Chegamos na Dadá.

Carlinhos pediu duas moquecas de siri mole.

Era ainda com Pedro que ele conversava.

“Não existe malemolência. Existe um querer. Existe uma possibilidade de saber, que não vem da existência propriamente dita e sim da vontade de se afirmar como negro…”

Meia noite.

“Querem conversar lá em casa”?

E fomos lá eu e Silvio Essinger, nascido em 1971 (feladaputa), pra casa de Carlinhos, no Rio Vermelho.

Duas e meia manhã. Carlinhos desce correndo as escadas.

Tudo certo aí, meu rei? Não demora, viu? Você será o último, mas em compensação vou lhe dar a entrevista da sua vida.

Era o que eu temia.

Carlinhos é assim, um pesadelo pra mim.