Parabéns aos envolvidos: o país que tinha Jô Soares ganhou um Carioca do Pânico. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 28 de abril de 2016 às 13:24
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O Brasil do golpe é um país em que o tempo da delicadeza, como dizia Chico Buarque, parece ter acabado. A cafajestagem e a truculência viraram moda.

Se vale tudo no Congresso e no Judiciário, por que não na rua, nas famílias, entre amigos, na televisão, no rádio?

O fascismo também invadiu o humor. Sai de cena uma figura como Jô Soares para a entrada de um asno sem graça como Danilo Gentili e uma cópia piorada, um certo Carioca, do Pânico.

Em seu programa de ontem, Jô saiu em defesa de José de Abreu. No meio do debate com suas “meninas”, fez um aparte.

“Me espanta cada vez mais o ambiente de impaciência que o Brasil está vivendo. Esse episódio que aconteceu com o José de Abreu é constrangedor. Um cidadão não pode sair com sua mulher para jantar que é obrigado a ouvir insultos terríveis”, falou.

“Disseram horrores sobre a mulher dele. A reação dele foi levantar e dar uma cusparada no casal, que também é uma reação movida por um ‘não aguentar mais. A pessoa não pode ter uma opinião ou tendência política que é condenada. Isto está ficando pior do que o comportamento de alguns deputados no Congresso, que também é lamentável”.

Criticou Jair Bolsonaro e sua homenagem infame a um torturador. Na sequencia, lembrou das agressões a Chico, segundo ele um “patrimônio nacional”.

“Eu fico comovido e com vergonha. Feliz o país que tem um Chico Buarque. Um cara que deveria ser reverenciado, mas ao invés disso sai de casa com os amigos e é agredido de uma forma mesquinha. Desculpa, mas precisava fazer esse desabafo”. Terminou com os olhos marejados.

Naquele mesmo dia, o prefeito de São Paulo Fernando Haddad participou do programa Pânico, da Jovem Pan.

Parêntese: Alguém um dia vai explicar por que Haddad insiste em dar entrevista a empresas abertamente hostis, de uma agressividade diária assassina. Eu quero ser mico de circo se isso render um único voto. Fecha parêntese.

Entre as hienas do estúdio, estava o humorista Carioca, visivelmente exaltado, babando ódio em sua obesidade, um revoltado online pretensamente divertido.

Carioca incorpora o espírito da Jovem Pan, emissora jabazeira que encontrou um nicho na direita. Como um interrogador de polícia vagabundo, Carioca vociferava contra as ciclovias — um dos argumentos era o clássico “perto da minha casa tem uma que acaba num bueiro” — a educação, o PT, o trânsito, o diabo.

Não que São Paulo esteja como Nova York ou Paris, mas na “opinião” de Carioca vivemos em Bagdá. No auge de sua cavalgada, quando Haddad mostrava números fornecidos por uma empresa alemã de GPS sobre o tráfego na cidade, o interlocutor enlouquecido respondeu: “Discordo”.

Foi ridicularizado por seus próprios companheiros, que perguntaram se ele discordava também que 2 mais 2 dava 4. Haddad saiu-se bem porque é articulado e muito bem preparado, mas deveu muito à indigência mental do adversário.

Esse é o país que assoma com a instabilidade dos últimos meses e o microfone aberto para coxinhas incivilizados. Carioca é sintoma disso. Um mini bolsonaro.

Que reconciliação será possível com essa gente que prestou tributo a agentes da repressão nas avenidas, que levou suas crianças à Paulista para aprender como mandar senhoras tomarem no cu, que berra que não gosta de pobre e que nos atirou, afinal, no colo de Cunha e Temer?

Sai de cena um Jô Soares falando o óbvio — sejamos educados e aprendamos a conviver com as diferenças, para simplificar — e entra o Carioca. Em algum momento, fizemos por merecer. Agora é preciso retomar.