Parte da responsabilidade pela morte do reitor da UFSC é da juíza que decretou sua prisão. Por Luis Felipe Miguel

Atualizado em 4 de outubro de 2017 às 13:01
Luiz Carlos Cancelier

Publicado no Facebook de Luis Felipe Miguel, professor da UnB.

Não há dúvida de que uma grande parte da responsabilidade pela morte do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo cabe ao Judiciário, na figura da juíza. Ela decretou uma prisão absolutamente desnecessária, cujo único objetivo discernível era abater moralmente e humilhar. Uma prisão decretada antes de que o preso tivesse sequer sido convocado a prestar esclarecimentos! A prisão foi revogada, mas a juíza manteve o reitor incomunicável, a despeito de um claro diagnóstico de depressão.

Estava impedido de entrar no campus e, fora advogados e médicos, só podia falar com seu irmão, o jornalista Júlio Cancellier. Quando concedeu que ele retomasse algumas atividades acadêmicas, foi introduzindo uma nova humilhação: sua presença na universidade seria estritamente cronometrada, duas horas e meia, como se fosse um elemento tóxico ou radioativo.

Em suma: um exemplo perfeito da prepotência, da insensibilidade e do autoritarismo que, infelizmente, grassam no Judiciário brasileiro. Pergunto: uma vez que esse evidente abuso de poder levou a consequências tão trágicas, haverá algum tipo de punição à juíza?

Mas há uma cota de responsabilidade importante que cabe à mídia. Ela é a cúmplice ativa dos processos de pré-julgamento e assassinato moral promovidos pelo Judiciário. Ainda hoje, ao noticiar a morte do reitor, a Folha de S. Paulo escreve que ele integrava um grupo “suspeito de desviar R$ 80 milhões em recursos que deveriam ser investidos em programas de Educação à Distância”.

Há duas inverdades na frase. O projeto totalizava R$ 80 milhões; o valor que se suspeita que tenha sido desviado é alto, mas não chega a 0,5% desse montante. E, mais importante, a acusação que pesava contra o Cau não era de participar do desvio, que teria ocorrido antes de sua gestão, mas de estar “obstruindo as investigações” (acusação que ele negava).

A mídia reproduz, de forma leviana, informações imprecisas ou mesmo falsas, embarca alegremente na culpabilização antecipada dos denunciados e, quando concede espaço para o contraditório, é apenas de forma burocrática e limitada. O Judiciário pode preparar os archotes, mas quem risca o fósforo para o linchamento moral é a mídia.

Ao noticiar desta maneira a morte do reitor, a Folha trabalha para esvaziar o sentido de denúncia contra a arbitrariedade que Cau buscou imprimir ao sacrifício de sua própria vida.