Perfil do juiz Bretas revela traços preocupantes do fundamentalismo evangélico. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 27 de dezembro de 2017 às 19:36

 

Marcelo Bretas

O Estadão publica um interessante perfil do juiz Marcelo Bretas, que conduz os processos do ramo fluminense da Lava Jato.

No texto, sobressai a formação evangélica do magistrado. Nada contra a formação evangélica, mas, em Estado laico, a cultura evangélica pode fazer do juiz um agente público que se considere dotado de uma missão superior.

Por exemplo, há um trecho que fala de sua reação ao que disse o ministro Gilmar Mendes sobre a “revisão” de Bretas a um habeas corpus concedido pelo ministro da suprema corte.

Gilmar disse que, se prevalecesse a decisão de Bretas, seria o mesmo que o rabo abanar o cachorro, e não o contrário, que é o que acontece.

Pode-se discordar de Gilmar, mas, para a saúde das instituições, Gilmar ocupa uma posição hierarquicamente superior – tem a autoridade de guardião da Constituição – e por isso deve ser respeitado.

Com a expressão do rabo que abana o cachorro, Gilmar apenas repetiu um antigo ditado, para ilustrar situações em que a ordem natural das coisas é alterada.

Mas Bretas viu algo sobrenatural.

Ele, que é juiz de primeira instância, reagiu mostrando ao repórter Luiz Maklouf de Carvalho um versículo da Bíblia (antigo testamento) que define o homem de Deus (no caso, escolhido, por se tratar do povo hebreu) como cabeça e não cauda.

É o versículo 13 do capítulo 28 do livro de Deuteronômio, que ele leu para o repórter:

“E o Senhor te porá por cabeça, e não por cauda; e só estarás em cima, e não debaixo, se obedeceres aos mandamentos do Senhor teu Deus que hoje te ordeno, para os guardar e cumprir”.

Há pastores que interpretam o versículo como uma mensagem de que o cristão deva ser sempre o chefe, o empresário, nunca o subordinado ou o empregado.

Há lideranças evangélicas que pensam diferente. Para estes, essa interpretação literal é equivocada.

Ser cabeça significa ter controle sobre suas ações, não ser facilmente manipulado ou influenciado.

Bretas parece ter o entendimento literal, próprio de uma visão fundamentalista, como mostra a reação descrita por Maklouf:

(…)

O juiz deu entrevistas ao Estado na semana em que entrou na mira do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Gilmar o atacou, em 18 de agosto, por ter mandado prender novamente dois empresários amigos que mandara soltar, na véspera. “Isso é atípico. E em geral o rabo não abana o cachorro, é o cachorro que abana o rabo”, disse o ministro, sugerindo subserviência. “Não vou comentar, para evitar confronto e polêmica, mas confesso que me atingiu um pouco, por causa da minha formação religiosa evangélica”, disse Bretas no meio da tarde da sexta-feira, dia 25, na última de quatro entrevistas que concedeu ao Estado em intervalos das audiências ao longo de dez dias úteis.

Pegou então o celular e trouxe à tela, em segundos, o “Deuteronômio”, um dos livros da “Bíblia”, no capítulo 28, versículo 13, que leu com emoção: “E o Senhor te porá por cabeça, e não por cauda; e só estarás em cima, e não debaixo, se obedeceres aos mandamentos do Senhor teu Deus que hoje te ordeno, para os guardar e cumprir”.

“Foi a lembrança que me veio à cabeça naqueles momentos”, disse o juiz, evangélico desde sempre. Frisou, na citação, a palavra “cauda”, sinônimo digamos mais elevado do termo usado por Gilmar: “E o Senhor te porá por cabeça, e não por cauda”, repetiu, repelindo a metáfora canina. A “Bíblia”, que diz já ter lido inteira, é um hábito diário, ao acordar e ao recolher-se, ultimamente facilitado pelo aplicativo no celular. Tem “Bíblia” em sentença, na dissertação de mestrado, em conversa fiada, e em conversa séria.

(…)