Por dentro da manipulação da Globo no Carnaval do Fora Temer. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 1 de março de 2017 às 19:30

 

No Carnaval do Fora Temer, a Rede Globo cumpre a sua vocação histórica: ela faz política, a política em defesa dos seus interesses, não jornalismo.

Os gritos de Fora Temer já eram ouvidos com estridência desde antes de sábado.

Em Salvador, Caetano Veloso reagiu com “isso é muito bom”, quando os foliões, espontaneamente, começaram a cantar o refrão pela saída de Temer do Palácio do Planalto.

Na Bahia mesmo, a Banda Baiana System puxou o refrão “machistas, fascistas, golpistas não passarão.

Na Globo, o Fora Temer vazou numa entrevista ao vivo, em que um folião escocês encontrado no litoral de São Paulo destacou o que era a marca do Carnaval de 2017: o “Fora Temer”.

O Jornal Nacional da Globo deixou noticiar no último dia de Carnaval o que já havia tomado conta das ruas..

A Globo não se atrasou na notícia nem fez isso, certamente, por incompetência, como se na redação os jornalistas estivessem sonolentos, de ressaca e desatentos ao que acontecia no Brasil.

Cumpriram ordens.

Ao deixar para noticiar o Carnaval do Fora Temer no último dia, a Globo manipulou os efeitos que a notícia poderia gerar se fosse dada no tempo jornalisticamente correto: quando os fatos começaram a ocorrer.

A edição da reportagem – VT, no jargão das redações — também revela malícia,

Na chamada, que é lida pelo apresentador antes de entrarem as imagens – cabeça, no jargão jornalístico –, um texto curtíssimo: “Os dias de Carnaval também foram marcados por protestos contra políticos”, como se os protestos não fossem, preponderantemente, contra UM político: Temer.

Ao incluir Temer num Carnaval supostamente marcado por críticas a políticos, a notícia confunde o público a alivia para Temer.

Este é o tipo de VT que fica na mão de editor de texto escolhido a dedo, de confiança dos chefes: ele é instruído, seleciona as imagens, faz o texto, que é aprovado, e entrega uma cópia para o apresentador gravar, sem repórter na história. É um VT de redação.

Amanhã, quando estes dias lamentáveis do golpe judiciário-congressual-midiático forem contados, a Globo poderá dizer que não ignorou o Fora Temer e poderá apresentar o VT exibido no último dia do Carnaval.

O truque já é manjado.

Em 1982, quando a apuração oficial das eleições colocava Moreira Franco à frente de Leonel Brizola na disputa para o governo do Rio,  a Globo noticiou tardiamente que o resultado divulgado pela Justiça eleitoral não expressava a vontade do eleitor.

Fez isso depois que, nas ruas, cariocas ameaçaram virar carros de reportagem da emissora e o vice-presidente José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, assustado com as críticas à emissora, socou a mesa numa reunião e disse: “todo mundo sabe que o Brizola ganhou a eleição, mas a Globo mostra que o Moreira Franco está na frente. Tem que colocar o Brizola na frente!”

A Globo tinha montado uma superestrutura para divulgar o resultado das eleições, a primeira para governo do Estado depois do golpe de 1964. Uniram-se as redações do jornal e da TV, e a Central de Apuração da Globo totalizava os votos em computadores próprios a partir dos mapas oficiais que eram liberados pelos Tribunais Regionais Eleitorais.

No Rio, estranhamente, a justiça decidiu liberar primeiro os mapas das urnas do interior, onde o chefe político, senador Amaral Peixoto, sogro de Moreira Franco, mantinha seus redutos eleitorais. Ali Moreira Franco ganhava, mas na capital e na Baixada Fluminense, Brizola liderava disparado.

Mas os mapas dessas urnas, apesar de chegarem primeiro ao Tribunal para totalização, eram deixados de lado para, supostamente, serem totalizados mais tarde.

De um lado, os computadores da Globo totalizavam os mapas liberados e, de outro, os mesmos mapas eram somados pelos computadores de uma empresa contratada pela justiça, a Proconsult. Resultado nas duas apurações: Moreira na frente.

Elio Gaspari conta, em um de seus livros sobre a ditadura, que o general Golbery do Couto e Silva detectou um movimento dos porões do SNI do Rio um movimento para roubar a eleição de Brizola.

A reação popular impediu a fraude.

A Globo participava da conspiração?

Na empresa, houve racha depois desse episódio, que custou o afastamento do especialista em pesquisa Homero Sanchez Icaza, homem de confiança de Boni, que alertou Brizola para o risco de ser roubado.

Para contornar a crise, o diretor de jornalismo da emissora, Armando Nogueira, procurou Brizola para dizer que a redação não participava de nenhuma armação. E lhe ofereceu espaço, no que seria a demonstração de isenção do jornalismo da Globo.

Àquela altura, a vitória de Brizola já era irreversível e ele pediu para entrar ao vivo, em horário nobre, com o que Armando Nogueira concordou (assista ao vídeo abaixo).

Brizola então, ao vivo, criticou a Globo, obrigando Armando Nogueira a também entrar ao vivo, de São Paulo, para tentar rebater a crítica.

O argumento principal de Armando Nogueira era que a Globo tinha centenas de jornalistas, chefes de família, pessoas honradas, e não poderiam participar da armação.

Brizola não recuou e ficou com aquele seu sorriso enigmático, balançando levemente a cabeça.

Naquela noite, ao entrar e ao sair da emissora, Brizola foi aplaudido por funcionários da emissora, para contrariedade de seus diretores.

Há outros episódios – alguns eu testemunhei como repórter — para mostrar como, ao longo de sua história, a Globo manipula o noticiário, e assim acula poder. Mas deixo para contar os episódios em outros artigos.

Em matéria de manipulação pela Globo, não faltam histórias.