Por que a Globo continuou ignorando as denúncias sobre Cunha após demitir sua mulher. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 15 de dezembro de 2015 às 19:11
Eles
Eles

 

O jornal O Globo publicou um perfil sucinto de Cláudia Cruz na semana passada que, apesar do tamanho, mais revela do que esconde as relações do casal Cunha com a maior emissora do Brasil.

A passagem de Cláudia pela TV é resumida nestas linhas: “Em 1997, ao exibir sua intimidade, Cláudia apareceu ao lado das duas filhas — a mais nova do relacionamento com Cunha — para a mensagem de fim de ano da Rede Globo, onde era uma das apresentadoras do telejornalismo: ‘o futuro já começou’.”

Finita la commedia.

A história completa é um pouco mais emocionante. Cláudia foi empregada da Globo entre 1989 e 2001. Apresentou Bom Dia Rio, Jornal Hoje, RJTV, Globo Ciência, Globo Comunidade, Jornal da Globo e Fantástico.

Em 10 de abril de 2000, deu a notícia da demissão de seu marido da presidência da Companhia Estadual de Habitação, Cehab, por causa de denúncias de fraudes em contratos.

Meses depois, foi demitida. No início de 2015, Cláudia ganhou um processo trabalhista. Num post de Valéria Monteiro no Facebook, deixou um desabafo acerca da comemoração dos 50 anos da rede carioca.

“Ser apagada da história é muito ruim. (…) E, simplesmente, sumi na poeira como castigo por ter acionado a empresa na justiça, por ter sido injustiçada”, escreveu.

Cláudia foi defenestrada por culpa do casamento com um corrupto. As aparências da Globo estavam salvas e os escândalos puderam ser varridos para debaixo do tapete até a Suíça tornar a situação incontrolável.

A ligação da Globo com Cunha já vinha de longa data. Segundo a Folha, em 1992 o então presidente da extinta Telerj assinou um aditivo de 92 milhões de dólares a um contrato de 1989 com a NEC Brasil — fornecedora de equipamentos para telefonia controlada, na ocasião, por Roberto Marinho.

Não houve licitação. O aditivo serviria para ampliar o número de terminais para 40 mil celulares (em 1993, um segundo aditivo foi assinado por 30 milhões de dólares por mais 40 mil terminais — 62 milhões a menos do que pagou Cunha).

Cunha estava com Cláudia desde o começo dos anos 90. Ele a viu na televisão e a contratou para fazer a locução do número 102, serviço que fornecia o endereço dos assinantes. Amor à primeira vista.

Naquele longo período, enquanto Cunha não era apanhado, Cláudia voava à vontade. Ele dançou, ela dançou também. Ainda assim, provavelmente em memória da antiga parceria, por duas décadas a Globo não moveu um dedo de seu arsenal jornalístico para mostrar quem era Eduardo Cunha.

Como no caso das barbaridades na CBF e do mea culpa da ditadura, a Globo conta o passado pela metade, omitindo ou fantasiando seu protagonismo nos fatos. Sempre, sempre apostando na baba elástica e bovina de quem está assistindo, lendo e ouvindo.