Por que a PM de SP não será condenada por seus excessos. Por Mauro Donato

Atualizado em 21 de outubro de 2016 às 13:45
Elissandro da Siqueira dialoga com a PM de Geraldo Alckmin
O estudante Elissandro da Siqueira dialoga com a PM de Geraldo Alckmin

 

Em uma ação civil que foi ajuizada pela Defensoria Pública de São Paulo devido a selvageria cometida pela polícia durante as manifestações de junho de 2013, o juiz Valentino Aparecido de Andrade da 10ª Vara da Fazenda Pública, condenou o Estado de São Paulo pela violência e abuso de poder praticados pela Polícia Militar.

A decisão é ainda de primeira instância, mas determina o pagamento de R$ 8 milhões por danos morais sociais. O montante será destinado ao Fundo Estadual de Defesa dos Interesses Difusos, instituição que financia projetos para indenizações de danos diversos.

A sentença prevê ainda proibição do uso de armas de fogo e restrição do uso de balas de borracha e de bombas de efeito moral. A polícia também precisa comprometer-se a elaborar um ‘protocolo de atuação’ que seja utilizado em manifestações e incluir a obrigatoriedade de identificação dos agentes, com nome e posto visíveis na farda.

As medidas devem ser cumpridas em até 30 dias, do contrário o Estado deverá pagar multa diária de R$ 100 mil.

Tudo muito bom, tudo bonito mas há um senão na redação do judicial que desanda o caldo e impede a comemoração pelos mais otimistas. A tal ‘restrição do uso de balas de borracha e de bombas de efeito moral’ está vinculada a ‘condições excepcionalíssimas quando o protesto perca, no todo, seu caráter pacífico’. Daí estão autorizadas.

Ora, o protesto perde seu caráter pacífico, na imensa maioria das vezes, por autoria da própria polícia. É ela quem começa, é ela quem coloca um infiltrado para jogar a primeira pedra, é ela quem lança a primeira bomba para promover o tumulto e a correria. Portanto, basta ela manter este seu ‘protocolo de atuação’, iniciar a confusão e pronto: bala de borracha na turma. Não muda nada.

Não há dúvidas de que o juíz parece bem intencionado, porém talvez lhe falte experiência prática ‘de rua’. A identificação nas fardas já é uma medida obrigatória, mas os agentes policiais e seus comandantes estão pouco se lixando para isso. Muitos ficam em completo anonimato enquanto outros vêm com pequenas tarjas nas quais se lê ‘WD456-TYB-9’. Quem memoriza uma identificação dessas que mais se assemelha a uma placa de carro alemão enquanto está tomando bordoadas de cassetete?

Da mesma forma um protocolo de atuação certamente já existe, mas ele é seguido seletivamente. Em manifestações que possuam empatia com o poder militar, tudo vai dentro dos conformes. A tropa fica a uma certa distância, observando, praticando a tal ‘segurança dos manifestantes’ que sempre alegam para justificar sua presença. Não se manifestam, sorriem, são cordiais. Mas… vá a uma manifestação (que daí é ‘protesto’) que não seja do agrado dos fardados. Ali os vários tipos de batalhões estão presentes, tropa disso, tropa daquilo, Rocam, Choque, cavalaria, blindados israelenses, tudo que tem direito. A postura é intimidatória e a proximidade totalmente diferente. Os cordões grudam nos manifestantes e as provocações são inúmeras. Vão empurrando ou segurando a marcha conforme determinam. ‘Deixam sem querer’ o escudo atingir as costas do cidadão.

Os protocolos nunca foram seguidos e isso é intencional. Há protocolo para o uso das armas ditas ‘não letais’. Elas só podem ser usadas após vários estágios de negociação serem superados. Se o protesto no entanto for de movimentos sociais pelos quais a polícia não tem simpatia, esses recursos são utilizados imediatamente. Há protocolo para atirar com balas de elastômero e ele determina que seja feito sempre abaixo da linha da cintura. Como tantas pessoas são atingidas no olho, na face? Há protocolo para lançar bombas e não é malandramente por baixo, escondido, no meio de todo mundo.

A PM obviamente vai recorrer e é bem pouco provável que siga qualquer recomendação pois a questão central é essa: sua conduta varia intencionalmente. Para alguns, o diálogo. Para outros, o spray de pimenta.