Por que a Revolução Francesa foi o episódio mais importante da história da humanidade. Por Paulo Nogueira

Atualizado em 30 de agosto de 2015 às 21:56
Napoleão cruzando os Alpes, pelo grande pintor David

Se houvesse uma data apenas para a humanidade, ela seria 14 de julho. É a data oficial da Revolução Francesa. Foi quando, em 1789, caiu a Bastilha, a prisão que uma multidão de franceses tomou em busca da munição guardada nela. Batidos os guardas que cuidavam da Bastilha, os presos políticos foram libertados. Surgia um mundo novo, sob os gritos de liberdade, fraternidade e igualdade.

A Revolução Francesa percorreu todos os caminhos típicos das grandes revoluções. Foi-se moldando sob a opressão a injustiça de um regime em que nobres e religiosos eram absurdamente favorecidos em detrimento do povo. Começou relativamente branda, sem que estivesse ainda claro o papel do rei Luís XVI e da rainha Maria Antonieta. Aos poucos virou uma revolução como tem que ser. Para isso, foi preciso que radicais jacobinos como Robespierre, Danton e Marat tomassem o poder e fizessem cair cabeças sob guilhotinas — destinadas, como notou o historiador Jules Michelet, a abreviar o suplício dos condenados. (Os revolucionários franceses não repetiram o horror das execuções da Igreja Católica na Inquisição.) O casal real não podia escapar e não escapou. Revoluções como a Francesa não são feitas com tapinhas nas costas. Uma ordem estabelecida só cede a uma nova ordem pela força.

É uma das leis imutáveis da humanidade.

Feito o trabalho duro e sob certos aspectos sujo, os radicais tinham que ser liquidados para que a França voltasse a respirar e seguisse adiante. Robespierre, o “Incorruptível”, advogado de uma cidadezinha chamada Arras e símbolo do Terror jacobino, tinha que cair e caiu. A guilhotina que ele impusera para tantos, incluído Danton, acabou por alcançá-lo.

Radicais no poder servem para extrair o máximo de uma revolução, mas depois se tornam um obstáculo à retomada da normalidade. Foi assim que Robespierre e comandados chegaram ao fim na França, em 1794, na célebre Reação Termidoriana (uma alusão a “termidor”, o mês do calendário revolucionário em que a Convenção se voltou contra Robespierre). Cortada a cabeça do Incorruptível, estava tudo pronto para a burguesia administrar a França e o mundo. A sociedade tal como a conhecemos dava ali seus primeiros passos.

A Revolução Francesa fascinou, inspirou e assombrou todos os revolucionários que vieram depois dela. Os bolcheviques russos estudavam ansiosamente o que acontecera na França em busca de luzes para seus atos. A família do czar Nicolau II foi liquidada em 1917 porque Luís XVI e Maria Antonieta tinham sido antes. A lógica foi copiada: não deixar símbolos capazes de galvanizar os contra-revolucionários. A campanha de Stálin contra Trotsky recebeu o reforço milionário da história francesa. Contra Trotsky, que comandada o Exército Vermelho da guerra da Revolução Russa, pesou até o se desterro a sombra de Napoleão e seu golpe de 18 Brumário. Stálin foi hábil em alimentar a suspeita de que Trotsky, seu rival na sucessão de Lênin, tinha pretensões bonapartistas. Termidor foi também sempre uma sombra para os bolcheviques, e pretexto para o extermínio de dissidentes em nome da revolução.

Napoleão, o maior filho da Revolução, tinha ideias ambíguas sobre ela. Uma vez, comentou com um amigo que era melhor que Rousseau, o filósofo que ajudou a semear um espírito revolucionário entre os franceses, não tivesse nascido. “Ele ajudou a criar a Revolução”, disse Napoleão. “Mas sem Rousseau”, ponderou seu interlocutor, “você não teria feito o que fez.” “Também não está claro ainda se foi bom para a França que eu tivesse nascido”, respondeu o grande Napoleão.