Por que ainda temos que lidar com um site que ensina a estuprar mulheres? Por Nathali Macedo

Atualizado em 30 de julho de 2015 às 7:33

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Logo que pensei em escrever sobre o assunto, me deparei com uma rara barreira de comunicação: um site que ensine um passo-a-passo para estuprar mulheres – em pleno século XXI – é tão absurdo que parece difícil falar qualquer coisa sobre isso. É tão inacreditavelmente óbvio que qualquer comentário parece, a primeira vista, obsoleto.

Acontece que é impossível dormir tranquila sabendo que existem pessoas que respirando o mesmo ar que nós enquanto criam um site com um tutorial para ser um estuprador. E mais revoltante do que saber que isso ainda existe – e, pior ainda, ainda existem pessoas que acessem esse conteúdo – é saber que há algumas dezenas de nítidas razões – socialmente falando – para que ainda tenhamos que lidar com uma ideologia tão absurda sendo propagada na rede.

O fato é que a sociedade patriarcalista tem naturalizado a cultura do estupro de tantas maneiras quanto é possível. Não raro, alguém acusa uma vítima de estupro de não ter sido precavida. De ter usado uma roupa curta, de ter ficado a sós com um desconhecido, de ter passado numa rua deserta e num horário impróprio. Discursos como “ela é lésbica porque ainda não conheceu um ~homem de verdade~” são aceitos e propagados.

A verdade é que as pessoas banalizam a cultura do estupro em cada pequena grande atitude, em cada discurso machista e lesbofóbico, em cada “estava pedindo”, em cada manchete de culpabilização da vítima – e se mostram estupefatos se de repente acordam com um tutorial na internet sobre como estuprar mulheres.

O mais assustador não é que ainda exista um site como este; é saber que ele não é culturalmente alienígena. Não foi apenas um devaneio de uma mente doente. Isto, assim como todos os outros casos bizarros de toda sorte de violência contra as mulheres, surge de uma cultura gigantesca e milenar de naturalização da violência e do machismo.

Um site que ensine como estuprar mulheres não surge do nada. Ele surge da nossa passividade diante de um beijo forçado no carnaval, de uma encoxada não-consensual no transporte público, do compartilhamento de vídeos íntimos e revenge porn – ou seja, de todos os discursos que suponham que o corpo da mulher está disponível independente de sua vontade.

E só quando casos absurdos como estes desafiam a nossa descrença na dimensão da violência de uma sociedade machista, compreendemos que precisamos nos mexer não apenas quando alguém resolver que deve ensinar a estuprar mulheres, mas também e principalmente nas pequenas – e gigantes – violências diárias, e que é preciso prosseguir com a lenta desconstrução dos valores patriarcalistas responsáveis por nos confrontar, vez ou outra, com casos absurdos como estes. Ou isto ou continuaremos a ser surpreendidos com os resultados estúpidos e em grande escala de nossas pequenas violências, enquanto fingimos inutilmente não saber de onde surgiu tamanha insanidade.