Por que Gene Tierney não pode faltar em nenhuma lista das maiores femme fatales do cinema

Atualizado em 15 de dezembro de 2012 às 18:39

Em “Amar foi minha ruína” ela interpretou uma mulher desequilibrada como ela mesma. E arrasou.

Gene Tierney como a possessiva femme fatale Ellen Berent Harland

Leave her to heaven
And those thorns that in her bosom lodge,
To prick and sting her.”

Há algum tempo, publiquei uma lista com as maiores femme fatales de filmes noir. Agora, a relendo, admito que houve nela uma falta imperdoável – a linda e ameaçadora Ellen Berent Harland, interpretada por Gene Tierney no filme noir “Amar foi minha ruína”, de 1945. Gene, atriz que consagrou-se com o filme Laura, de 1944, interpretou o papel com perfeição, e essa foi considerada sua melhor atuação. Bipolar e depressiva, ela emprestou muito de si mesma para Ellen.

O título original, “Leave her to heaven”, faz menção a uma cena de Hamlet, na qual o fantasma do pai de Hamlet aparece para suplicar que o filho não procure vingança contra a mãe, a perversa rainha Gertrude, que o envenenou. “Deixe-a para os céus”, pede o fantasma, “e que espinhos em seu peito a aguilhoem e a machuquem.”

Ellen é uma jovem elegante, atraente e determinada. Ao conhecer o escritor Richard Harland, se apaixona por ele. Richard fazia com que ela se lembrasse do pai, por quem guardava um amor intenso e obsessivo, um tipo de Complexo de Electra. Ellen rompe com o noivo, um político ambicioso, e se casa com Richard.

A partir de então, a aparentemente inofensiva Ellen passa a perseguir o marido com um amor possessivo, afirmando categoricamente: “Eu nunca vou deixá-lo partir, nunca, nunca!”. Ela decide possuí-lo com exclusividade. Percebemos o quão possessiva é no momento em que, ao se mudar com Richard para uma casa isolada e rodeada por um lago, declara que não gostaria que contratassem uma empregada nem uma cozinheira, já que “não suportaria dividi-lo com ninguém.”

Ellen fica furiosa quando a mãe e a irmã adotiva vão visitá-la. Mostra-se fria e incomodada com a presença de qualquer outra pessoa em sua casa em razão do ciúme incontrolável que sente do marido. Ellen seria a mulher perfeita – linda, charmosa, apaixonada – se não fosse sua obsessão, suas crises intensas de ciúme e sua tendência a infernizar a vida de todos.

Observando friamente o afogamento do cunhado paraplégico

Com a partida de sua mãe e irmã, Ellen tenta convencer o irmão mais novo de Richard, paraplégico e frágil, a ir viver com elas – o que ele recusa. Essa cena se dá num lago no qualnela e o cunhado remavam. O garoto decide nadar até a outra margem do lago, e Ellen o incentiva a fazê-lo. Ele tem uma cãibra e uma fria e despreocupada Ellen observa o cunhado se afogando, com um sorriso cínico. Ao perceber que o marido se aproxima, Ellen se joga na água e finge salvá-lo – mas, naturalmente, é tarde demais.

Mais tarde, de volta para a casa da mãe, Ellen engravida. Enquanto a esposa repousa, Richard dá uma atenção especial a Ruth, a irmã adotiva de Ellen. Ao perceber o entusiasmo do marido com o nascimento do bebê, Ellen se enfurece e se joga deliberadamente das escadas, fingindo estar sonâmbula no momento em que o fez – o que, naturalmente, não era verdade. Ela perde o bebê.

Uma trama sofisticada e que prende, Gene Tierney como uma femme fatale linda, dissimulada e amoral, uma irmã amável, prestativa, fiel e gentil e um final surpreendente fazem de “Amar foi minha ruína” um dos melhores filmes noir de todos os tempos. Se não bastassem todas as virtudes, ele pode ser encontrado no YouTube — inteiro e com legendas em português.