O filme que vai representar o Brasil no Oscar

Atualizado em 21 de setembro de 2014 às 1:34

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A ministra da Cultura, Marta Suplicy, anunciou nesta quinta, em São Paulo, que o longa “Hoje eu quero voltar sozinho”, de Daniel Ribeiro, vai representar o Brasil na disputa pelo Oscar 2015 de melhor filme em língua estrangeira. Abaixo, a resenha que demos:

O despertar do amor homossexual em um adolescente cego já parecia uma ótima storyline, mas que facilmente poderia ser desperdiçada, como foi em “Do começo ao Fim”. A diferença do adolescente cego para os irmãos incestuosos, talvez seja que ele convence.

“Hoje eu quero voltar sozinho” é uma história de descoberta do amor profundamente comum, como muitos clássicos da antiga Sessão da Tarde – provavelmente, ele próprio se tornará um desses clássicos – se fanáticos religiosos não dominarem o país.

É de uma beleza simples, colegial, que lembra “As melhores coisas do mundo” ou “Antes que o mundo acabe”, nada parecido com as high schools dos enlatados de Hollywood. Não sei se o clima nessas escolas dos Estados Unidos é aquele mostrado nos filmes, mas os nacionais nesse tema me parecem quase sempre muito melhores.

Talvez “Hoje eu quero voltar sozinho”, também não seja só mais um filme adolescente, ainda que também não, um filme para adultos. Tirando as cenas em que Léo, o adolescente cego interpretado brilhantemente por Guilherme Lobo, aparece se masturbando, poderia ser considerado um ótimo filme para toda família.

Talvez cortem algumas cenas e passe ainda muitas vezes na televisão. Talvez a televisão já não tenha mais tanto poder e as novas gerações nem conheçam a Sessão da Tarde. Quem sabe o filme ainda cause desconforto em pessoas sensíveis demais ao amor entre pessoas do mesmo sexo. Mas “Hoje eu quero voltar sozinho” venceu o festival de Berlim porque trata disso com uma simplicidade genial.

Nada nele é pesado, explícito ou trágico. Mesmo o preconceito é apresentado com uma leveza poucas vezes vista. Léo quer fazer intercâmbio para não ter que lidar com a saída de um armário, que tende cada vez mais a desaparecer, mas ainda existe, ainda que não o afete tanto quanto afetou gerações passadas. E mesmo o recente “Brokeback Mountain”, nesse ponto, parece um filme de época ou de uma cultura distante.

Quem sofre a maneira dos cowboys para viver o próprio desejo, já parece um tanto exagerado ou fraco demais, ao menos nos lugares que a nossa própria cultura considera mais civilizados. Mas os cowboys de “Brokeback…”, pelo contrário, eram fortes, em um ponto de civilização ainda bastante bárbaro ou dominado por religiões dogmáticas, que os deuses, querendo ou não, veem agora se transformar. Na Rússia ou na Nigéria talvez ainda causem muita identificação, bem menos na Escandinávia, e incompreensíveis seriam à Grécia Antiga.

“Hoje eu quero voltar sozinho” apresenta o Brasil em sua parte mais próxima da Escandinávia. Os personagens são ricos e bem educados, a hostilidade do preconceito já se mantém abaixo do nível criminal. Tão abaixo que os personagens podem escolher ignorar comentários maldosos e dar as mãos na saída da escola sem medo de apanhar ou serem assassinados por isso. Podem simplesmente escolher não ouvir e nem enxergar o que já não deveria mais existir. Responder apenas com deboche ou compaixão pela estupidez alheia. Ser tão feliz quanto qualquer pessoa.

É ao mostrar gays simplesmente felizes e cegos à maldade, às cores ou à culpa que “Hoje eu quero voltar sozinho” ainda pode incomodar bastante a alguns. Para esses, Valesca ensina mandar beijinhos no ombro.

ps: antes de ver o filme, vale a pena assistir ao curta “Eu não quero voltar sozinho”.