Por que evangélicos são obcecados com Israel

Atualizado em 27 de dezembro de 2018 às 20:34
Magno Malta, sua mulher pastora cantora Lauriete (esq.) e Bolsonaro com a bandeira de Israel

Publicado no Unisinos

POR JONATHAN MERRITT

Donald Trump não é o primeiro presidente que prometeu reconhecer Jerusalém como a capital de Israel e transferir a embaixada americana para lá. Mas ele foi o único a manter essa postura.

Trump fez seu anúncio afirmando: “antigos desafios requerem novas abordagens”. A decisão foi amplamente considerada como sendo politicamente motivada para agradar seus apoiadores evangélicos que supostamente teriam levantado a questão em diversas reuniões.

Johnnie Moore, o porta-voz efetivo do conselho consultivo de fé do presidente, disse à CNN, que “esta questão foi – para muitos – secundária, e se preocupou apenas com o julgamento dos principais apoiadores evangélicos do presidente. O presidente Trump, mais uma vez, demonstrou aos seus defensores evangélicos que fará o que ele disse que fará”.

Mas a obsessão evangélica de décadas com Israel tem mais a ver com a profecia do que com a política.

Quando ouvi pela primeira vez as notícias sobre o anúncio do presidente, senti que estava de volta à universidade. Em 2000, nos mudamos para a cidade-dormitório de LynchburgVirginia, onde eu frequentaria a Universidade Evangélica da Liberdade. Todos os alunos eram exigidos a fazer aulas de teologia paralelamente aos seus cursos principais e a fazer serviços na capela, três vezes por semana, onde ouviriam sermões que muitas vezes citavam William F. Buckley, assim como o apóstolo Paulo.

Em mais de uma ocasião, oradores evangélicos proeminentes de toda a Américadeclaravam na capela que o fim do mundo estava se aproximando. Como prova, eles citavam o estabelecimento da nação de Israel, em 1948. De acordo com nossa interpretação da Bíblia, este era um pré-requisito para o apocalipse.

Para evangélicos como nós, a Bíblia não era apenas a história do envolvimento de Deus no passado ou um guia para a vida justa no presente. Também serve como um plano de Deus para o futuro. Acreditamos que as escrituras sagradas e o livro do Apocalipse, em particular, anunciaram o dia em que Jesus retornaria à Terra para destruir o mal e oferecer aos seus seguidores um lugar privilegiado no reino de Deus. Nós clamamos coletivamente para que este dia chegue.

A Universidade da Liberdade era um viveiro para a teologia popular entre evangélicos, chamada de “dispensacionalismo” (‘dispensationalism’, em inglês), que divide a história em diferentes eras ou dispensações. De acordo com este ensinamento, quando os judeus do primeiro século rejeitaram Jesus, começou uma nova “era da Igreja” em que os cristãos atuariam como “o povo escolhido por Deus”. Esta dispensação continuará até que Deus leve os cristãos ao céu, deixando os “não-escolhidos” para trás, para um período de turbulência. Isto é conhecido como “o arrebatamento”.

Enquanto o dispensacionalismo ensina que Deus está atualmente focado na igreja cristã, os crentes nesta teologia afirmam que, quando os últimos dias chegarem, Deus trará o povo judeu de volta a Israel, onde reconstruirão o templo e, finalmente, aceitarão Jesus como o Messias legítimo. Isso desencadeará o retorno de Jesus e seu reinado.

Embora este sistema teológico possa parecer excêntrico para algumas pessoas, seus defensores afirmam que a Bíblia o ensina. Em Gênesis 17, Deus promete fazer de Abraão o pai de uma grande nação, que os dispensacionalistas acreditam ser advinda de uma aliança duradoura. Eles acreditam que Isaías 11 e 66, assim como Ezequiel 37, preveem o retorno dos judeus a Israel. O profeta Zacarias, segundo eles, profetizou que os judeus reocupariam Jerusalém em oposição a muitas nações antes deles finalmente aceitarem as reivindicações messiânicas de Jesus. Os dispensacionistas também apontam a Apocalipse 7 como prova de que Deus ainda tem planos específicos para as 12 tribos de Israel nos últimos dias.

Dispensacionalismo tem uma longa história de séculos e desfruta de uma ampla aceitação entre os cristãos americanos. O professor da Bíblia do século 19, John Nelson Darby, é considerado o pai do dispensacionalismo. Suas opiniões foram codificadas e popularizadas pela Bíblia de Referência Scofield. Esta teologia se espalhou por toda a América nos anos 1800 com a ajuda de evangelistas como Dwight L. Moody, mas foi impulsionada a novos níveis de popularidade entre meados e o final do século XX.

Bandeiras de Israel e do Brasil em frente à embaixada brasileira naquele país, em Tel Aviv. (Foto: Jack Guez – 28.out.18/AFP)

Na década de 1970, o livro A Grande Agonia do Planeta Terra, de Hal Lindsay, argumentou que o fim bíblico do mundo estava se aproximando rapidamente e vendeu mais de 30 milhões de cópias. Na década de 1990, a série de ficção Left Behind(Deixado para trás, N.T.) colocou vários volumes na lista dos mais vendidos do The New York Times e gerou dois filmes populares. Além da Universidade da Liberdade, instituições como o Moody Bible Institute, em Chicago, e o Dallas Theological Seminary, continuam a treinar jovens líderes cristãos na teologia dispensacional.

É difícil para as pesquisas determinarem exatamente quantos cristãos americanos acreditam no dispensacionalismo. Muitos crentes não conhecem a palavra técnica para o que acreditam. Uma vez que tantas facetas são possíveis, é impossível que o formato das enquetes produza resultados definitivos. Além disso, alguns cristãos que rejeitam o dispensacionalismo como uma teologia ainda acreditam que Deus deseja estabelecer e abençoar Israel como uma nação durante os últimos dias da Terra.

Uma enquete de 2015 informou que 60% dos evangélicos dizem que a nação de Israel foi estabelecida como resultado da profecia bíblica. 70% dizem que “Deus tem um relacionamento especial com a nação moderna de Israel”, e 73% acreditam que “os acontecimentos em Israel são parte das profecias no Livro do Apocalipse”. Assim, para muitos evangélicos, a decisão de Trump de mudar a embaixada americana para Jerusalém tratava-se muito mais do que de geopolítica.

Com certeza, nem todos os cristãos evangélicos mantêm essas crenças sobre Israel e os tempos finais. Alguns rejeitam a noção de que as promessas de mais de 4.000 anos, feitas por Deus a Abraão, se aplicariam a moderna Israel.

Como o estudioso bíblico Gary M. Burge argumenta na revista The Atlantic, nem todos os evangélicos acreditam que promover a importância de Jerusalém “é mais um dos blocos de construção no cumprimento das profecias que preparam o cenário para a Segunda Vinda de Cristo”. Burge e outros não estabelecem uma conexão entre a nação teocrática de Israel, na antiguidade, e o estado moderno. Esses evangélicos sentem que a decisão de Trump é desnecessariamente provocativa e mina o tipo de paz que os cristãos devem apoiar.

Além disso, pesquisas recentes indicam que os efeitos do dispensacionalismo e das teologias relacionadas ao fim dos tempos podem estar desaparecendo entre os fiéis mais jovens. De acordo com a pesquisa 2017 LifeWay Research, os evangélicos americanos com menos de 35 anos são significativamente menos propensos a ter uma visão positiva da nação de Israel do que os mais antigos, assim como 66% desses mesmos evangélicos acreditam que “os cristãos devem fazer mais para amar e cuidar do povo palestino”.

Por enquanto, os mais próximos do presidente Trump ainda mantêm crenças sobre o fim dos tempos que enxergam a promoção e a proteção de Israel como um cumprimento de uma profecia bíblica. Enquanto a decisão da embaixada vem sendo promovida pelos republicanos de Washington como prova de que Trump cumpre suas promessas, os evangélicos veem isso como Deus cumprindo as suas.