Filosofia na prática: por que os filósofos davam tanta iportância à amizade. Por Paulo Nogueira

Atualizado em 13 de agosto de 2015 às 14:42
Montaigne e La Boétie
Montaigne e La Boétie 

Algumas das mais tocantes reflexões dos filósofos referem-se à amizade. Sem ela não há sociedade que se sustente. Aristóteles, que disputa com Sócrates e Platão o título de maior entre todos os sábios, a definiu como “uma alma em dois corpos”. Segundo Aristóteles, os grandes estadistas da história da humanidade deram mais importância a como estimular as relações de amizade do que a qualquer outro tema, incluída a justiça. Marco Aurélio, o imperador filósofo de Roma, afirmou que as pessoas nascem para ajudar umas às outras, assim como os braços quase nada fazem um sem o outro. “A natureza parece muito particularmente interessada em semear em nós a necessidade de termos amigos”, disse Montaigne, o estóico tardio que iluminou a França no século 16. “A amizade assinala o ponto mais alto de perfeição na sociedade”.

A amizade é a base da elevação de toda comunidade. Pois ela se opõe a venenos como o egoísmo, o individualismo, a ganância. A amizade significa compartilhar, dividir, crescer não sozinho mas em grupo. Sêneca, estadista e filósofo de Roma, expressou isso em palavras memoráveis: “Se tenho prazer em aprender é para ensinar”, disse ele. “Nenhuma descoberta poderia interessar-me, por mais útil e importante que fosse, se eu tivesse que ser o único a lucrar com ela. Se me derem a sabedoria com a condição de que eu a guarde para mim sem poder transmiti-la, eu a recusarei”.

Para mim, é de Montaigne a mais bela frase sobre a amizade, entre tantas as produzidas pelos sábios ao longo do tempo: “As almas se entrosam e se confundem em uma única alma, tão unidas uma à outra que não se distinguem, e nem se percebe a costura entre eles”. Em seus Ensaios, Montaigne escreveu um capítulo sobre a amizade. Dedicou-o a seu grande amigo La Boétie, autor de um pequeno grande livro chamado Servidão Voluntária. A morte de La Boétie mergulhou Montaigne numa “noite escura e aborrecida”. “Já me acostumara tão bem a ser sempre dois que me parece agora que não sou senão meio”, escreveu ele.

Eis a parte dura: a perda de amigos. Também sobre esse tema oa sábios se debruçaram. Um deles escreveu: “A lembrança dos nossos amigos mortos é suave e ácida a um só tempo, como um vinho velho demais cujo amargor nos agrada. Mas depois de algum tempo toda a acidez desaparece e em nós só fica um prazer puro”. Numa carta a um discípulo que perdera um amigo, Sêneca usou aquela frase em seu esforço de consolação. “Para mim, a lembrança dos meus amigos mortos é doce; quando os tinha ao meu lado, pensava que teria de perdê-los; agora que os perdi, penso que sempre os tive a meu lado”. A arte de lidar com a perda de um amigo é mais fácil na teoria do que na prática. Sêneca admite que foi “esmagado” pela mmorte de um amigo mais jovem que ele. “Hoje compreendo que a causa principal de tamanho sofrimento era que eu nunca imaginara que ele pudesse morrer antes de mim. Como se a morte respeitasse uma ordem de passagem”.

Toda a sabedoria do mundo costuma ser impotente para deter a “noite escura e aborrecida” que nos trazem os amigos perdidos, aos quais dedico este artigo.