Por que para mim os diálogos do caso Idelber Avelar não foram consensuais

Atualizado em 17 de dezembro de 2014 às 18:38
Idelber
Idelber

Se há uma coisa que aprendi na minha então breve vida de escritora é a seguinte: nada é tão simples assim. O caso Idelber Avelar (http://butterytenaciousbird.tumblr.com/) tem sido encarado por muitos – inclusive por defensores do professor falocêntrico no universo intelectualzóide esquerdista – como mais uma simples história de mulheres adúlteras e um homem dominador com vocação pra ricardão.

Receio que seja mais (muito mais) que isso.

Como seres humanos, no entanto, precisamos enxergar as coisas com um olhar humano – e não como máquinas robóticas que decoram “o que tem que ser” e “o que parece ser”. Precisamos ir além do óbvio. Ir além do que está posto, do que está escrito, do que salta aos olhos.

Como era de se esperar, a defesa do professor adepto a selfies de pinto diz que os diálogos foram completamente consensuais. Constato, com lamento, que, aos olhos frios da lei, foram mesmo. E provavelmente este será mais um caso de violência sexual sem resposta.

Existem várias formas – cada uma mais cruel e camuflada que a outra – de violentar uma mulher. Temos sido violentadas em nossos casamentos, em nossos trabalhos, nas maternidades, em nossas famílias, em nossas universidades, na mídia, na internet. Não me surpreende que estejamos, agora, sendo violentadas pela nossa aparente liberdade sexual.

Um homem não precisa de uma arma ou de um soco pra violentar uma mulher. Idelber Avelar, por exemplo, usou um par de óculos e meia dúzia de títulos acadêmicos. E, é claro, o ingrediente principal: mulheres fragilizadas.

Escolheu, a dedo, mulheres casadas e eventualmente em situação de instabilidade. Uma que saiu de uma religião e ficou depressiva, outra que o enxergava como um professor respeitável e acima de qualquer suspeita, outra que vivia um relacionamento conjugal de violência. A relação de poder que Idelber exercia sobre essas mulheres era tão ardilosa que deu espaço para que agora muitos acreditem que ela não existiu.

O perfil de Idelber é exatamente esse: da violência dissimulada, camuflada, envolta por belos discursos com bom português. Da sede de exercer poder sobre o outro através do conhecimento. A postura pedante que sempre assumiu em seus blogs, a escolha das vítimas, a preferência por mulheres casadas e o prazer em “amansar corninhos” dão conta de demonstrar isto.

A verdade é que um homem violento nunca conta apenas consigo mesmo. Ele conta com o apoio que toda a sociedade provavelmente lhe dará. Um homem que bate na esposa conta com a mídia que dirá “que mulher gosta de apanhar.” O homem que estupra conta com a sociedade que dirá “que ela estava pedindo”. Idelber Avelar contou com todos aqueles que agora defendem que não houve violência porque os diálogos foram consensuais.

Não sei o que cada um de vocês considera consensual, mas, pra mim, uma relação só é consensual quando as duas pessoas têm condições, em todos os sentidos, de rejeitá-la e, ainda assim, aceitam-na.

Para mim, não há consenso quando se tem, de um lado, um homem bem sucedido, respeitado e com um discurso assustadoramente poderoso e, do outro, mulheres fragilizadas e em uma situação de desvantagem econômica e intelectual.

Em um mundo em que nem mesmo a violência explícita é reconhecida – aquela que deixa marcas de sangue e olho roxo – não me surpreende que uma violência dissimulada de consensualismo seja completamente ignorada.

É preciso que aprendamos a reconhecer nossas violências, nossos algozes – mesmo quando o mundo nos diz que somos as culpadas. Precisamos decifrar cada disfarce do machismo – venha ele usando nariz de palhaço ou par de óculos – porque o machismo tem muitas faces e todas elas muito feias.

Como feminista – e mesmo esperando absolutamente cada crítica que acuse o meu discurso de vitimista ou que utilize aquele argumento patético de que o pobre professor falocêntrico está sofrendo perseguição política – quero dizer a cada defensor intelectualzóide de Idelber Avelar que seus pares de óculos e doutorados pomposos não me assustam. Seus discursos de que eu não sei o que estou dizendo não me assustam.

Para mim, Idelber não é um professor e blogueiro respeitado e intelectual de esquerda. Ele é só mais um homem que violenta mulheres. E nós só viveremos em liberdade genuína quando a classe feminista, as autoridades e principalmente a sociedade aprender a enxergar a violência simplesmente como violência, sem disfarces ou trajes de honra.