Por que precisamos falar sobre os casos de assédio no Uber. Por Nathali Macedo

Atualizado em 13 de julho de 2016 às 20:49

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O Uber é uma alternativa eficiente para o serviço medíocre da maioria dos taxistas. Rapidez, balinha, água gelada, motorista solícito e… Assédio, muitas vezes.

Usuárias do aplicativo denunciaram, recentemente, o assédio por parte de alguns motoristas e o descaso da empresa diante de suas denúncias. Segundo as vítimas, nenhuma acusação foi investigada a fundo e nenhum motorista foi afastado.

Uma delas relatou que ouviu de um dos motoristas: “Se a mulher der abertura, eu parto pra cima mesmo.”

Reflitamos: para a cultura do assédio, o que significa “dar abertura”? Sentar no banco da frente? Conversar trivialidades? Usar uma roupa sensual?

Nossos códigos não são compreendidos pela maioria dos homens porque a eles não interessa nos compreender, interessa nos moldar da maneira que melhor lher convir: para eles, nós sempre estamos “pedindo.”

A Uber justificou o descaso para com as denúncias de assédio recomendando que as usuárias que sofressem esse tipo de violência reportassem-se às autoridades policiais – o que é óbvio, mas não retira a responsabilidade da empresa sobre seus motoristas. Se a ideia é revolucionar o serviço ruim dos taxistas, por que não começar respeitando os corpos de todos os usuários, indistintamente?

A resposta é mais simples do que gostaríamos de admitir: para as mulheres, nada é tão fácil assim, muito menos o transporte urbano.

Andar de ônibus e metrô não é uma alternativa ideal, para dizer o mínimo. Em um ônibus lotado em Curitiba, um homem gozou no corpo de uma desconhecida; as encoxadas recorrentes nos metrôs paulistanos ensejaram a criação do “vagão rosa”, exclusivo para mulheres – porque, é claro, é melhor retirar as mulheres do campo de visão dos abusadores do que ensiná-los que não se pode esfregar o pau no corpo de uma mulher sem o consentimento dela.

Os táxis tampouco nos fazem sentir mais seguras. Nesta semana, uma cantora baiana foi agredida com socos por um taxista depois de reagir a um assédio.

O transporte urbano é problemático por uma série de questões estruturais (lotação, desorganização, preços abusivos etc) mas, para nós, o maior problema ainda é o nosso velho conhecido assédio, onde quer que estejamos.

Combater o assédio não é uma prioridade para o revolucionário Uber como não é uma prioridade para ninguém além de nós, mulheres. Preço justo, balinha e água gelada são importantes, mas respeitar o corpo de uma mulher que quer apenas voltar para casa, não.

Não se trata, é óbvio, de demandas específicas para mulheres. Não estamos exigindo absorventes em um compartimento na porta traseira. Estamos exigindo que nossos corpos sejam respeitados, e esta não é uma demanda específica. Contempla o trivial.

Anotei o telefone de uma motorista mulher – que já não consegue dar conta das tantas clientes que ligam no meio da madrugada para voltarem para casa com alguma segurança – mas ainda considero absurdo não poder ocupar o espaço e o transporte urbano livremente apenas por ser uma mulher. Precisar me retirar dos ônibus, das estações de metrô, dos táxis e dos ubers comuns simplesmente porque homens não conseguem respeitar o meu corpo.

No táxi, você pode acabar estuprada ou agredida, como tantas vezes já aconteceu. No ônibus ou metrô, as encoxadas são uma constante. Com o Uber, você pode ser assediada e ninguém tomará nenhuma providência. Andar a pé e sozinha também está fora de cogitação.

Ou aprendemos a voar ou o espaço urbano ficará cada vez mais adstrito aos homens – ou às mulheres burguesas em seus carros blindados.