Precisamos falar sobre os black blocs (depois de ouvi-los)

Atualizado em 8 de agosto de 2014 às 16:14
Eles
Eles

Os chamados black blocs são conhecidos em vários países por esconder o rosto e atacar símbolos de um Estado que julgam opressor.

São algo entre o Zorro e Robin Hood. Mascarados contra o sistema, com métodos de cowboy fora-da-lei. Heróis ou vilões, em defesa dos fracos e oprimidos.

Porém ao contrário dos personagens da ficção, não são considerados como indivíduos e sim como grupos de pessoas autônomas e anônimas. Milhares de pessoas sem um comando central, representantes, ou mesmo qualquer estrutura hierárquica. Unidas pelo momento histórico.

Grupos, bandos ou quadrilhas, dependendo do viés ideológico de quem os define. Indíviduos livres a se manifestar como quiserem e em seguida desaparecer na multidão.

Os conflitos com a polícia se tornam inevitáveis, uma vez que os interesses do Estado são muitas vezes diretamente contrários aos dos manifestantes. O Estado trata de manter uma ordem estabelecida, que é justamente o alvo das ações.

Ao expulsar sem-tetos de prédios privados abandonados ou dispersar manifestantes com gás de pimenta e balas de borracha, a polícia cumpre o que manda a lei. No caso, a vontade do Estado, e é isso o que os black blocs colocam em questão. Até que ponto a vontade do Estado é legítima e, de fato, democrática.

No Brasil, desde o início das grandes manifestações em junho do ano passado, esses conflitos já deixaram muitos feridos e outros tantos mortos. A opinião pública se voltou contra os black blocs e as leis antiprotestos ficaram mais rígidas para a Copa do Mundo. Prender ficou muito mais fácil.

Em São Paulo, Fábio Hideki Harano e Rafael Lusvarghi não portavam explosivos, afirmou laudo técnico do Gate (grupo antibombas da PM) e do Instituto de Criminalística, mas ficaram presos por 45 dias. O juíz responsável pelo caso, Marcelo Matias Pereira, queria mais.

Segundo ele, porque ainda que sem explosivos Fábio e Rafael utilizam de outros meios para “atentar contra os poderes constituídos e desrespeitar as leis e os policiais”. Na sequência, o magistrado os acusa de usarem tênis Nike e ainda assim combater o capitalismo, chama-os de “esquerda caviar”.

Acabou por libertá-los, mas a semelhança do seu texto com o de blogueiros da VEJA continua assustadora.

Já no Rio de Janeiro, o filósofo russo Bakunin escapou de ser enquadrado como black bloc violento com o álibi de estar morto desde 1876.

Minha professora de Filosofia, Camila Jourdan, porém, foi parar na cadeia, junto com outros tantos, também supostos black blocks violentos, que eu não conheço. Ou “conheço” pela mídia. E pela mídia eles parecem fabricados.

Lembro uma capa da revista Época que há alguns meses apresentou uma suposta black bloc perdida e confusa, de quem ninguém nunca mais ouviu falar. Já a VEJA estampou uma entrevista de várias páginas com uma suposta liderança surgida nas ruas, criada à imagem e semelhança da própria revista.

Do inquérito que prendeu a minha professora por treze dias e que acusa Bakunin, conhecemos principalmente as gravações telefônicas, divulgadas em primeira mão pela Globo, antes mesmo de chegarem ao desembargador (os meios da Rede Globo são realmente fantásticos!) que libertou os ativistas.

Já do caso de São Paulo, sabíamos que Fábio e Rafael portavam materiais explosivos, que, na verdade, não eram nem mesmo inflamáveis. Passaram 45 dias na penitenciária de Tremembé.

Mas e se, de fato, foram muitas outras as acusações equivocadas e os presos inocentes?

Pedidos de desculpa parecem pouco e o mínimo que podemos fazer no momento, é ouvi-los. Tentar conhecê-los, antes de colocá-los todos num mesmo saco e começar a bater.

Conversei com a professora Camila recentemente e ela me disse que considera o inquérito literatura fantástica de má qualidade, que as gravações são “devassadas” e “descontextualizadas” e só foi presa para servir de exemplo.

Nas palavras dela: “… o que eles fingem não saber é que o problema não sou eu, não é a Elisa(Sininho), não são os demais presos e perseguidos, o problema é todo um contexto histórico. Mas eles não podem prender e criminalizar todas estas pessoas, por isso é tão importante focar em alguns, fabricar líderes.”( a entrevista na íntegra está publicada no DCM)

Eu gostava muito das aulas da Camila, principalmente sobre Lógica. Caso fique provado que prendê-la foi um absurdo, seus alunos também deveriam ser indenizados.