Presos que menstruam: a situação das mulheres nas prisões brasileiras. Por Luísa Gadelha

Atualizado em 26 de julho de 2016 às 18:34

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Presos que menstruam (Editora Record, 2015, 292 páginas), livro da jornalista e ativista brasileira Nana Queiroz, já intriga pelo título, que nos remete a Simone de Beauvoir, quando diz que o sexo feminino é visto como o segundo sexo, a partir do outro, tendo  sempre o masculino como referencial.

“É fácil esquecer que mulheres são mulheres sob a desculpa de que todos os criminosos devem ser tratados de maneira idêntica. Mas a igualdade é desigual quando se esquecem as diferenças. É pelas gestantes, os bebês nascidos no chão das cadeias e as lésbicas que não podem receber visitas de suas esposas e filhos que temos que lembrar que alguns desses presos, sim, menstruam.”, diz a autora, no prefácio.

O título vem de um artigo de Heidi Ann Cerneka, ativista americana atuante no Brasil, sobre as 28 mil presas brasileiras, dentre uma população carcerária de 440 mil pessoas – é como se essas prisioneiras fossem invisíveis.

De fato, a primeira penitenciária feminina no Brasil data de 1937; fundada por freiras em Porto Alegre, a Penitenciária Madre Pelletier começou abrigando não só criminosas, mas mulheres que não se adequavam de alguma forma à sociedade, as ditas “desajustadas”. Antes disso, mulheres presas dividiam celas com homens, sujeitando-se a agressões, violências, estupros, prostituição etc. Hoje, a Madre Pelletier, apesar de ainda possuir uma estrutura precária, acomoda presas que cozinham sua própria comida e até possuem um salão de beleza. Cerca de noventa por cento de suas detentas estudam ou trabalham.

Nana Queiroz, que ficou conhecida em 2014 ao criar a campanha “Eu não mereço ser estuprada”, levou quatro anos para escrever seu livro. Visitou presídios femininos nas cinco regiões do país e investigou sete mulheres em particular, cujas histórias são contadas mais detalhadamente. Também conversou com voluntárias, psicólogas, pedagogas e assistentes sociais, perfazendo um panorama da situação carcerária feminina no Brasil.

Impossível não lembrarmos de Estação Carandiru, vencedor do prêmio Jabuti em 2000, de Drauzio Varella, com crônicas sobre a população carcerária do então maior presídio brasileiro.

Presos que menstruam apresenta o outro lado, o do segundo sexo, também com pequenas crônicas e historietas sobre o cotidiano feminino em presídios. Com capítulos curtos, Nana Queiroz manteve o falar coloquial das mulheres com a qual manteve contato.

Uma das reflexões que o livro enseja é sobre a discrepância das visitas íntimas, em relação aos presídios masculinos: nos femininos, muitas vezes as visitas são dificultadas, pois suas consequências podem ser mais dispendiosas ao Estado. Como declarou Heidi Cerneka, “a mulher pode visitar seu marido, engravidar dentro da cadeia e sair: o problema é dela. Se a mulher está presa, o homem a visita e ela engravida: o problema é do Estado”.

Outra problemática para as mulheres é a reabilitação. “Quando um homem é preso, comumente sua família continua em casa, aguardando seu regresso. Quando uma mulher é presa, a história corriqueira é: ela perde o marido e a casa, os filhos são distribuídos entre familiares e abrigos. Enquanto o homem volta para um mundo que já o espera, ela sai e tem que reconstruir seu mundo.”

Uma questão mais delicada ainda levantada pela autora é a maternidade. Estima-se que 85% das mulheres encarceradas são mães. Muitas chegam a dar à luz na cadeia. A lei permite que os “filhos do cárcere” vivam 6 meses com a mãe, enquanto são amamentados, mas ativistas têm sugerido que as mães de bebês de até um ano deveriam ficar em prisão domiciliar durante a amamentação, tendo em vista que a cadeia não é de forma alguma um ambiente saudável para um recém-nascido.

Nana Queiroz também observou o amor romântico entre mulheres – diferente do que ocorre nos presídios masculinos, em que na maioria das vezes as relações sexuais ocorrem como troca de poder ou através da prostituição, nos presídios femininos muitas vezes as relações surgem do afeto e companheirismo entre duas mulheres. A maioria delas não volta a se relacionar com mulheres uma vez em liberdade, o que leva a autora a refletir sobre “o ser e o estar lésbica”.

Afora outros conteúdos polêmicos tratados no livro, como tortura, corrupção, péssimas condições de higiene, entre outros, Nana Queiroz consegue trazer algumas historietas divertidas, como a das presas que suplicam ao juiz a liberação do uso da chapinha, outras curiosas, como o da detenta que compartilha cela com a própria filha, também condenada – o que também ocorre na série da Netflix Orange is the new black, entre outras tantas histórias coincidentes que observamos no livro e na série -, ou, ainda, o que a autora chama de “efeito Suzane”,  descrevendo o encanto e o charme de Suzane von Richtofen, uma das presas mais conhecidas no país por ter encomendado o assassinato dos próprios pais, que na cadeia consegue conquistar a todos com seu carisma e simpatia.

Mais do que denunciar a situação carcerária feminina como o título poderia indicar, Presos que menstruam conta a história de mulheres ordinárias, não romantizadas, nem vítimas nem monstruosas, muito menos heroínas.