Quando o obscurantismo investe contra o brilhantismo de um artista. Por Carlos Fernandes

Atualizado em 30 de outubro de 2017 às 20:26
Caetano no ato do MTST após a proibição do show

O filósofo alemão Friedrich Nietzsche uma vez disse que o fanatismo é a única forma de força de vontade acessível aos fracos.

Sendo verdade, muito explica sobre a decisão da juíza Ida Inês Del Cid – e como sabemos, não só dela – ao proibir o show que Caetano Veloso faria na ocupação do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) nesta segunda (30).

Num país minimamente civilizado, uma apresentação gratuita, politizada, bela e simbólica como um show de um artista internacionalmente consagrado como Caetano não só deveria ser aplaudida como defendida, reverenciada até.

Mas, no Brasil, o Ministério Público de São Paulo, na falta de questões mais urgentes a tratar, achou do interesse público que mais uma representação artística fosse censurada.

Os motivos alegados ultrapassam a linha do absurdo.

Entre outras desculpas, a excelentíssima questionou a estrutura do local e a possibilidade do “brilhantismo” do músico atrair muitas pessoas à apresentação.

Quando o poder judiciário passou a dar tanta atenção a eventos culturais é algo que me foge ao conhecimento.

Ademais, se vivêssemos numa democracia, algo dessa natureza e importância seria tratada com todo o cuidado e respeito pela própria prefeitura.

Isso, claro, se o próprio prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando (PSDB-SP), não fosse um obtuso a ocupar o poder executivo.

É evidente que a proibição do show de Caetano Veloso representa uma retaliação política não só ao cantor, mas a todo o movimento progressista.

Se não soubéssemos no que esse país se transformou, sobretudo após o golpe parlamentar de 2016, seria chocante a constatação do nível de influência que a política exerce sobre nossos juízes e promotores.

Se não temos uma nação governada por um representante do povo devidamente outorgado pelo poder soberano e indivisível do voto, tão pouco temos um judiciário povoado por funcionários públicos dispostos a exercer a sua sagrada defesa da lei e da Constituição acima de todas as outras coisas.

Frente a mais esse grotesco episódio em que a arte foi mais uma vez subjugada por um Estado paralelo em que poderes distintos se entrelaçam em prol da manutenção do atual status quo, não pude deixar de lembrar do famoso show dos Beatles no terraço de um prédio em Londres.

Felizes os meninos de Liverpool, e toda a humanidade dali pra frente, que não precisaram se preocupar com uma juíza a incitar a polícia contra uma das mais simbólicas apresentações musicais de nossa história.

Ao autorizar o uso da força policial, “caso necessário”, para barrar a música, a excelentíssima juíza mostra que Nietzsche continua certo.