Quanto mais terra arrasada a Lava Jato promover, melhor para Marina, Ciro, PSol e Bolsonaro. Por Aldo Fornazieri

Atualizado em 26 de dezembro de 2016 às 8:27
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Publicado no JornalGGN.

POR ALDO FORNAZIERI, professor da Escola de Sociologia e Política

 

Num uso indébito e livre do título do brilhante livro de Paulo Sérgio Pinheiro quer-se aqui apenas levantar algumas reflexões acerca das estratégias de partidos e atores tendo como perspectiva as eleições de 2018 e em face do colapsado governo Temer. As estratégias da ilusão se desenvolvem em meio às enormes incertezas acerca do cenário político e econômica, sobre os escombros de um sistema político deslegitimado, sobre os sobressaltos e as imponderabilidades da Lava Jato e sobre um quase total desencanto da sociedade com os partidos e os políticos. A imponderabilidade da Lava Jato tem duas dimensões: não se sabe tudo os que os procuradores, policiais federais e juízes sabem e não se sabe o que eles irão fazer com aquilo que eles sabem. O fato é que os operadores da Lava Jato vêm manipulando as informações, ampliando o seu poder, agindo orientados por determinados interesses políticos e corporativos que não se fazem claros nem na luz do dia e menos nas sombras da noite.

Há que se reconhecer que não é fácil construir estratégias quando se está com a corda no pescoço, quando não está em jogo apenas a sobrevivência política, mas a continuidade da vida fora das cadeias. Mas esse ambiente de escombros e de erosões não justifica a persistência em erros das forças progressistas, as estratégias da ilusão, o autoengano, a caminhada para o matadouro. Para a análise política não é tarefa fácil divisar quais atores estão construindo quais estratégias. Desta forma, as análises assumem um caráter mais exploratório, prospectivo e até mesmo especulativo.

As estratégias tendo em vista 2018 tomam como ponto de referência a conjuntura e o atual governo e como ponto de chegada a ideia de candidaturas presidenciais. A primeira tarefa consiste em perceber quais tipologias possíveis se vislumbram nos atores que, de uma forma ou de outra, tentam definir estratégias. À primeira vista se vislumbram dois tipos de atores: os que estão dentro da crise e os que estão fora da crise. Dentro da crise estão o PT e Lula, o PMDB e suas principais lideranças, o PSDB e Aécio, Serra e Alckmin, o DEM e os partidos que constituem o chamado centrão. Dentre os atores que mais contam, que estão fora da crise, estão Marina Silva, o PSol, Ciro Gomes e Bolsonaro. Claro que podem surgir novos atores que estão fora da crise, a exemplo de empresários, juízes etc., que queriam jogar o jogo de uma candidatura.

Todos esses atores – tanto os que estão dentro da crise quanto aqueles que estão fora da crise – têm algo em comum. Todos eles têm o golpe como fato consumado e, por diferentes motivos, eles desejam que o governo Temer chegue até o final em 2018, mas com diferentes expectativas sobre a sua evolução e o seu resultado. Este juízo parece até mesmo espantoso, principalmente quando se pensa no campo dos partidos que se opuseram ao golpe. Mas o fato é que se for analisado a fundo o que esses partidos fazem ou propõem em termos de saída para a crise chega a ser relativamente fácil perceber que eles não apresentam alternativas por darem como suposto que a lógica é a persistência do governo Temer até o fim. Assim, Temer só sairá do governo se for destroçado pelo imponderável, que ainda não conhecemos.

O jogo dos atores que estão dentro da crise

O PSDB é o partido melhor posicionado dentre os atores que jogam dentro da crise. Foi o menos atingido pela Lava Jato, colheu boa vitória nas eleições municipais, mas está inapelavelmente dividido e não sabe muito bem o que fazer com o governo Temer. Chegou a ensaiar um desembarque com uma possível aposta no próprio fim do governo, mas, aparentemente, desistiu. Assim, tem-se que, de um lado, Aécio e Serra querem o governo tutelado pelo PSDB na perspectiva de que uma possível retomada da economia em 2018 seria mais atribuída ao partido do que a Temer. Já, Alckmin, quer a manutenção de Temer, mas com uma devida distância regulamentar capaz de impedir que se o governo naufragar mais ainda leve junto o PSDB.

Os tucanos caminham para uma divisão irremediável na caminhada para 2018. Serra e Aécio já se acertaram: o primeiro seria candidato ao governo de São Paulo e o segundo a presidente. Alckmin não concorda com nenhuma das duas candidaturas. Poderá resvalar para o PSB e constituir um novo pólo de poder. O DEM, embora insinue apresentar-se como alternativa, deverá ser coadjuvante de Aécio ou de Alckmin. O mesmo acontecerá com os partidos do centrão.

Por estar mais preocupado em ficar no poder e viver fora das cadeias, o PMDB se encaminha para ter, mais uma vez, um papel de coadjuvante em 2018. Temer não se mostra capaz de constituir uma alternativa de poder. Esta circunstância o enfraquecerá ainda mais e tenderá a ter crescentes defecções em sua base no Congresso. As denúncias da Lava Jato tendem a expurgar o núcleo duro, tanto do governo, quanto dos atuais ocupantes de cargos importantes na Câmara e no Senado. Temer caminha para viver a solidão dos palácios, uma figura decorativa do seu próprio cargo, um menestrel da insipidez, um paciente da rejeição.

O PT e Lula, por sua vez, estão dentre os mais empenhados na construção da uma estratégia da ilusão. Têm uma única saída, uma única bala de prata, que é o próprio Lula. Se a rejeição ao PT é severa, Lula também é altamente rejeitado, mas continua sendo muito amado, como mostram as pesquisas. Aqui está a ilusão, pois a estratégia é puro risco, até mesmo autista. Lula continua sendo vítima de uma guerra sem quartel por parte de Moro e de outros setores do Judiciário. Defende-se sozinho, pois o PT não consegue defender ninguém. Não há nenhuma certeza de que Lula tenha condições político-jurídicas para ser candidato. E, se as tiver, será preciso avaliar a conveniência história e biográfica de sê-lo. A estratégia da ilusão petista está proporcionando um jogo de acomodações internas, à ausência de um ajuste de contas com a sociedade, a um esgotamento de qualquer energia renovadora.

O PT quer que o governo Temer continue, mas num persistente processo de erosão da pouca credibilidade que ainda lhe resta, que continue sem capacidade de reagir. A crença é a de que tudo o que é negativo no governo Temer se transforme em positivo para o PT, esquecendo-se que empresários, tipos como Dória, outsiders, Bolsonaros têm mais chances de se mostrarem viáveis. Na estratégia petista, acredita-se que sobre a derrocada do governo Temer, Lula faria ressuscitar os “mortos”, vingaria os deserdados e restabeleceria o reino que teve o percurso interrompido com o afastamento de Dilma.

Não se pode descartar a possibilidade de que os atores que jogam dentro da crise busquem um pacto de transição, com a manutenção de Temer, anistia ao caixa 2,  atenuação da Lava Jato e garantia da candidatura de Lula. O governador Flávio Dino (PC do B) defende de forma explícita este pacto. Tratar-se-ia e de salvar o atual sistema político para reformá-lo depois. Não é ainda possível prever quais as reações sociais e as consequências políticas de tal pacto.

O jogo dos atores que estão fora da crise

Quanto mais degradado estiver o governo Temer, quanto mais terra arrasada a Lava Jato promova no PT, no PMDB e no PSDB, melhor para Marina, Ciro, PSol e Bolsonaro. A viabilidade de um deles ou de um outsider será mais efetiva quanto mais os partidos da crise e o governo Temer se afundarem. Mais  realistas, Ciro e Bolsonarno representam o inverso um  do outro. Ciro é a potência e a válvula de escape do campo democrático e progressista. Bolsonaro representa a mesma perspectiva para o campo da direita, desencantado com o centro corrupto e com o liberalismo de faz-de-conta. Em termos retóricos, ambos são jacobinos. Ciro, de centro-esquerda; Bolsonaro, de direita.

Marina e o PSol são estratégias da ilusão. Marina acredita que a derrocada do sistema político conferirá vez às figuras e às retóricas santificadas, à linguagem sublime da nova política higienizada dos pecados da velha política. Para que esta salvação chegue, bastaria ter a conduta de recolhimento no silencioso claustro, não se expondo ao pecaminoso contágio da perniciosa crise. O PSol, o mais aguerrido combatente do golpe, reza silenciosamente para que o golpe não acabe e para que a Lava Jato continue promovendo expurgos e encarceramentos no sistema político e empresarial do país. Quanto mais isto aconteça, mais o sol tende a brilhar em 2018 e no futuro. Acredita-se de que muito do que foi PT ontem fixará novas esperanças na luminosidade do sol brilhante. O PSol alimenta a mesma ilusão do PT.

Entre Lula, Ciro, Marina e o PSol flutuará uma massa de desencantados, dos que buscam uma alternativa programática e ética, de cansados com a superficialidade e o eleitoralismo das esquerdas. Esses indivíduos, intelectuais, estudantes e ativistas sociais, em que pesem proporem uma unidade com pluralidade, sabem que isto não ocorrerá por conta do autocentrismo dos partidos e dos possíveis candidatos. Sabem também que a tendência é colher uma nova derrota. Sem ilusões, sabem também que não resta outra saída a não ser um árduo e recorrente trabalho de Sísifo, seja para evitar uma derrocada final ou para manter as precárias posições conquistadas.