Quem foi quem na CPI da Covid, que escancarou a corrupção na Saúde

Atualizado em 19 de julho de 2021 às 12:26
A chamada cúpula da CPI: Randolfe Rodrigues, Omar Aziz e Renan Calheiros. Reprodução.

Publicado originalmente em Rede Brasil Atual

Por Eduardo Maretti

Instalada oficialmente em 27 de abril de 2021, com prazo de 90 dias de funcionamento, a CPI da Covid incomodou o governo Jair Bolsonaro – o alvo principal da comissão – desde que sua criação foi determinada pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, no dia 8 daquele mês. Naquele dia 27 de abril, o país registrava 3.120 mortes por covid-19 em 24 horas, chegando a 395.324 desde março de 2020. No processo, o presidente da República tentou, primeiro, evitar que o colegiado se concretizasse. Para isso, pressionou senadores “vulneráveis” que assinaram o requerimento, apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) em fevereiro, para que retirassem suas assinaturas. O documento teve a adesão de 32 dos 81 senadores, cinco a mais do que o necessário.

Perdida a primeira batalha, Bolsonaro pressionou o PSD para evitar que Otto Alencar (BA) e Omar Aziz (AM) fossem membros da comissão. Mas foi novamente derrotado. Assim, em 15 de maio, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), anunciou a criação do colegiado. Em vão, o presidente ainda tentou evitar que Renan Calheiros (MDB-AL) fosse o relator. Aziz foi eleito presidente e designou Renan para a relatoria. Senadores governistas ainda entraram no STF para barrar sua indicação ao posto, mesmo depois de instalada a comissão, mas o pedido foi negado pelo ministro Ricardo Lewandowski.

A primeira oitiva, em 4 de maio, muito aguardada, foi do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta. Ele revelou a existência de um “aconselhamento paralelo” à margem da pasta e que, em uma reunião durante sua gestão, surgiu a minuta de um decreto com o qual se pretendia, por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que se mudasse a bula da cloroquina para que ela fosse usada no tratamento da doença.

Vacinas entram em cena

Dia 13 de maio a comissão entrou no tema vacinas. O CEO da Pfizer para a América Latina, Carlos Murillo, mostrou que a farmacêutica tentara, sem sucesso, fechar contrato com o governo brasileiro para fornecer um lote de 70 milhões de doses do imunizante em 15 de agosto de 2020, com entrega prevista já para dezembro. Dezenas de e-mails enviados a toda a cúpula do governo foram ignorados.

Criada para apurar ações e omissões do governo de Jair Bolsonaro na pandemia, a CPI da Covid começou focada nas pressões e interesses por trás do tratamento precoce. Isso porque o método justificaria a atitude de negar as vacinas Pfizer e CoronaVac, do laboratório chinês SinoVac, atacada sistematicamente por Bolsonaro. Mas em 25 de junho a comissão tomou novo rumo e entrou em nova fase, com o depoimento do ex-deputado Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão, o servidor Luis Ricardo Miranda, da divisão de importação do Ministério da Saúde.

Segunda e terceira fases

Os irmãos Miranda revelaram um esquema envolvendo fortes pressões para a compra da vacina indiana Covaxin, em meio a contrato suspeito, pressões políticas, uma empresa intermediária (a Precisa Medicamentos) e até uma empresa “de fachada” sediada em Singapura, que seria destinatária de 45 milhões de dólares a serem pagos antecipadamente. Na apuração do caso, os senadores chegaram à informação de que, em carta de Bolsonaro ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, de 8 de janeiro, o presidente informou ao indiano que colocara a Covaxin no Plano Nacional de Imunização. Desse modo, enfim, a CPI da Covid, “entrou” no Palácio do Planalto.

A terceira fase da CPI da Covid – a partir de 3 de agosto, após o recesso –, segundo Randolfe, deve investigar, paralelamente aos desdobramentos do caso Covaxin, a relação entre as fake news de grupos e entidades bolsonaristas, como o Instituto Força Brasil (IFB), e as obscuras negociações por vacinas envolvendo empresas suspeitas e atravessadores. Segundo o senador, o vice-presidente do IFB é Otavio Fakhoury, citado nos inquéritos do STF que apuram atos antidemocráticos e as fake news.

A disseminação de fake news, tanto por perfis verdadeiros com também por meio de perfis falsos, deve, inclusive, resultar na convocação de representantes do Instagram. A rede social tem sido acusada por ativistas de censurar o combate a más práticas, enquanto é tolerante com postagens negacionistas.

Simone, Eliziane e Soraya conquistaram espaço na CPI da Covid (Agência Senado)

Mulheres x machismo

Na sessão de 5 de maio, com o ex-ministro da Saúde Nelson Teich, senadores bolsonaristas protestaram contra a participação das mulheres não membros da CPI. Nenhum dos partidos indicou representante feminina no colegiado. Por acordo selado nos bastidores, o presidente Omar Aziz definiu que as mulheres participariam, mas o senador Ciro Nogueira (PP-PI) interrompeu uma fala de Eliziane Gama (Cidadania-MA) dirigida ao ex-ministro e foi seguido por outros governistas.

A senadora, então, liderou a reação feminina, a sessão virou tumulto generalizado e foi suspensa. Aziz acusou os governistas de descumprirem o acordo e garantiu a participação das mulheres. Desde então, Eliziane e Simone Tebet (MDB-MS) tiveram participação de destaque. Simone é a primeira líder da bancada feminina no Senado, criada em março, e protagonizou um dos principais momentos da comissão, tirando do deputado Luis Miranda (DEM-DF) a declaração de que o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), fora mencionado por Bolsonaro em 20 de março como o parlamentar que estava por traz do “rolo” da Covaxin.

Até mesmo a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) caiu nas graças da oposição ao criticar a grotesca propaganda do tratamento precoce pelo fanático Luiz Carlos Heinze (PP-RS). Soraya foi contaminada pela covid, mas disse que tomou cloroquina incentivada por fake news e acrescentou: “Essa receita de bolo não salvou vidas”. Simone, Eliziane e Soraya ocuparam a presidência de sessões em vários momentos. Mas não foi o caso da ex-estrela do vôlei Leila Barros (PSB-DF), escanteada desse papel a partir da oitiva de Nise Yamaguchi.

Em inquirição agressiva, o senador Otto Alencar demonstrou a farsa e as mentiras da médica do gabinete paralelo. Em intervenção constrangedora, Leila Barros defendeu a doutora bolsonarista em nome do feminismo. Foi muito criticada e perdeu espaço na CPI.

O G7

O G7 da CPI ficou assim conhecido porque, entre seus 11 titulares, sete são independentes ou oposicionistas a Bolsonaro: além de Aziz, Randolfe e Renan, Otto Alencar (PSD-BA), Humberto Costa (PT-PE), Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Eduardo Braga (MDB-AM). Nas últimas semanas, Braga perdeu a confiança do grupo, por desavenças com Aziz, devido a questões regionais, e mais do que isso, por informações de que ele teria mudado de lado e até vazado informações da CPI ao governo.

Por outro lado, com sua atuação, Eliziane Gama conquistou o G7 e foi aceita nas reuniões do grupo. Como não é integrante da comissão, ela não pode votar. Suplentes, Alessandro Vieira (Cidadania-SE), com inquirições cirúrgicas e técnicas, e às vezes devastadoras, e Rogério Carvalho (PT-SE), também participam das reuniões do G7.

Linha do tempo

Os principais depoimentos da CPI da Covid

Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde (4 de maio). Apareceu pela primeira vez a menção ao que se confirmaria como “gabinete paralelo” – primeiramente chamado de “aconselhamento paralelo”. O grupo, que teria como um dos mentores o empresário Carlos Wizard, orientava Bolsonaro sobre métodos não científicos, contra protocolos recomendados por especialistas e Organização Mundial da Saúde. Mandetta revelou também a tentativa de mudar a bula da cloroquina.

Nelson Teich, ex-ministro da Saúde (5 de maio). Como Mandetta, afirmou que não tinha autonomia para implementar políticas de saúde, que Bolsonaro pressionava pela cloroquina e que por isso deixou a pasta.

Marcelo Queiroga, ministro da Saúde (6 de maio). O atual chefe da pasta defendeu a ciência retoricamente, mas se recusou a comentar o negacionismo de Bolsonaro ou condenar as atitudes do chefe contra distanciamento social, máscaras e vacinas. No dia seguinte à oitiva de Queiroga, o presidente da CPI anunciou que ele voltaria a depor. “O atual ministro vai voltar aqui, porque mentiu muito, mentiu demais”, disse Aziz. Queiroga voltou em 8 de junho com a mesma postura.

Antônio Barra Torres, presidente da Anvisa (11 de maio). Indiretamente confirmou existência do gabinete paralelo e corroborou fala de Mandetta de que houve a tentativa de mudar a bula da cloroquina para ser usada como tratamento precoce. Afirmou que a médica Nise Yamaguchi, membro do gabinete paralelo, fazia parte do lobby pelo medicamento.

Carlos Murilo, CEO da Pfizer para a América Latina (13 de maio). Introduziu o tema vacinas. Demonstrou que Bolsonaro e seu ministro Eduardo Pazuello deixaram de responder dezenas de e-mails da farmacêutica, que queria fazer do Brasil um modelo de vacinação no mundo usando o SUS e a histórica capacidade brasileira em vacinação em massa.

Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde (19 e 20 de maio). O general foi acusado de mentir, ocultar fatos e proteger Bolsonaro na CPI. Justificou a demora em assinar com a Pfizer pelas “cláusulas leoninas” impostas pela empresa (que, na realidade, eram as mesmas para todos os países), pelos preços altos e porque “um ministro jamais poderia receber uma empresa”. Na última sexta (16), vídeo divulgado pela Folha de S.Paulo revelou que Pazuello teria negociado com atravessadores aquisição de vacinas Coronavac pelo triplo do preço.

Élcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde (9 de junho). Segundo homem na hierarquia da pasta, o coronel disse que não houve atraso na aquisição de vacinas e justificou que a demora em responder a Pfizer se deveu a uma pane em sua caixa de e-mail.

Luis Miranda, deputado federal (DEM-DF), e Luis Ricardo Miranda, servidor da divisão de importação do Ministério da Saúde (25 de junho). A CPI chega à segunda fase. Aparece suposto esquema de corrupção em torno da vacina indiana Covaxin. Luis Ricardo revelou pressões no Ministério pela compra do imunizante, sem aprovação da Anvisa e sob contrato suspeito, enquanto o governo Bolsonaro se recusava a contratar a Pfizer e a CoronaVac. O deputado revelou que o presidente da República lhe teria dito que seu líder na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), estaria por trás do “rolo” da Covaxin. Bolsonaro passou a ser acusado do crime de prevaricação.

Carlos Wizard, empresário (30 de junho). Considerado mentor do gabinete paralelo, foi à CPI protegido por habeas corpus do STF e passou a oitiva inteira repetindo: “Me reservo o direito de ficar em silêncio”. O empresário também é investigado por suspeita de financiamento do gabinete do ódio do bolsonarismo.

Luiz Paulo Dominguetti

O cabo da PM de MG (1° de julho). O suposto representante da empresa americana Davatti revelou esquema de propina sobre oferta de 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca. O improvável vendedor de vacinas acusou o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias de cobrar a propina.

Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde (7 de julho). Envolvido em suposto esquema de cobrança de propina, foi preso por ordem do presidente da CPI Omar Aziz sob a acusação de perjúrio.

Cristiano Carvalho, suposto vendedor da Davati no Brasil (15 de julho). Confirmou esquema de propina em torno de vacinas, revelou elos entre entidades bolsonaristas acusadas de espalhar fake news e atacar a democracia. E ainda apontou para Élcio Franco, dizendo que havia “dois caminhos dentro do ministério”, um “via Elcio Franco” e outro “via Roberto Dias”. Carvalho foi o depoente que mais citou nomes de militares envolvidos em esquemas de “comissionamentos” para compra de vacinas.

Confira a composição da CPI da Covid

Titulares (11): Omar Aziz (PSD-AM, presidente)*, Randolfe Rodrigues (Rede-AP, vice-presidente)*, Renan Calheiros (MDB-AL, relator)*, Otto Alencar (PSD-BA)*, Humberto Costa (PT-PE)*, Tasso Jereissati (PSDB-CE)*, Eduardo Braga (MDB-AM)**, Ciro Nogueira (PP-PI), Eduardo Girão (Podemos-CE), Jorginho Mello (PL-SC) e Marcos Rogério (DEM-RO).

Suplentes (7): Rogério Carvalho (PT-ES)*, Alessandro Vieira (Cidadania-SE)*, Jader Barbalho (MDB-PA)*, Angelo Coronel (PSD-BA)*, Marcos do Val (Podemos-ES), Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) e Luis Carlos Heinze (PP-RS)

Senadores de oposição a Bolsonaro ou independentes
** Eduardo Braga teria mudado de lado, ou, no mínimo, ficado neutro