Quem matou o ativista da internet Aaron Swartz?

Atualizado em 15 de janeiro de 2013 às 22:49

A depressão e a perseguição vingativa a um dos grandes herois do novo mundo digital

 

Aaron na livraria Borderland, em San Francisco
Aaron na livraria Borderland, em San Francisco

 

Aaron Swartz, o programador de computadores e ativista pela liberdade na Internet, cometeu suicídio na sexta-feira, em Nova York, com a idade de 26 anos. Como atestam as lembranças comoventes de seus amigos, como Cory Doctorow e Larry Lessig, ele foi, sem dúvida, brilhante, mas também – como a maioria de nós – um ser humano complexo, atormentado por demônios e falhas. Por muitas razões, eu não acredito em limpar a vida de uma pessoa ou beatificá-la quando morre. Mas, para mim, muito da vida tragicamente curta de Swartz encheu-se de atos que são genuinamente heroicos. Eu acho que isso é o que realmente vale a pena pensar a respeito.

Aos 14, Swartz desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento do software RSS, que ainda é amplamente usado para habilitar as pessoas a gerir o que lêem na net. Quando adolescente, ele também desempenhou um papel vital na criação do Reddit, o popular site de notícias e rede social. Quando a editora Condé Nast comprou o Reddit, Swartz recebeu uma soma substancial de dinheiro muito jovem. Ele se tornou uma espécie de lenda no mundo da Internet antes de completar 18 anos. Seu caminho para o status de magnata era claro, fácil e praticamente garantido: um caminho que tantos outros jovens empresários da internet têm trilhado irresistivelmente, dedicando-se de forma maníaca a ganhar muito mais dinheiro do que terão tempo para gastar.

Mas sim, obviamente, Swartz tinha pouco interesse em dedicar sua vida ao próprio enriquecimento material, apesar do quão fácil isso teria sido para ele. Como Lessig escreveu: “Aaron não tinha feito nada em sua vida para ganhar dinheiro para ele mesmo; …Aaron sempre trabalhou para (pelo menos na sua concepção) o bem público.”

Especificamente, ele se comprometeu com as causas em que acreditava apaixonadamente: a liberdade na Internet e as liberdades civis, tornando a informação e o conhecimento disponíveis. Lá estava ele discursando em maio de 2012 na conferência para discutir o papel da SOPA, a legislação da indústria de cinema que teria investido o governo com poderes de censura perigosos na internet. (Veja sua explicação de como derrotou a Sopa no vídeo abaixo)

 

 

Ele repetidamente sacrificou seus próprios interesses, mesmo sua liberdade, a fim de defender esses valores e desafiar e subverter as facções mais poderosas dos seus inimigos. Isso é o que faz com que ele, na minha opinião, seja um herói.

Em 2008, Swartz adotou como alvo o Pacer, o serviço online que fornece acesso a documentos jurídicos cobrando uma taxa por página. O que irritou Swartz e outros foi que as pessoas eram obrigadas a pagar para ter acesso a documentos judiciais criados com dinheiro público. Junto com um amigo, ele criou um programa para fazer o download de milhões desses documentos e, em seguida, como Doctorow escreveu, “gastou uma pequena fortuna para colocar em domínio público uma quantidade titânica de dados.” Por esse ato de desobediência civil, foi investigado e perseguido pelo FBI, mas nunca indiciado.

Mas, em julho de 2011, Swartz foi preso por supostamente atacar a JSTOR, a editora online que digitaliza e distribui artigos acadêmicos e depois vende-os, muitas vezes a um preço elevado, para assinantes. Como Maria Bustillos contou, o dinheiro não vai para os escritores (geralmente professores) – eles geralmente não são pagos para escrever -, mas para as editoras.

Este sistema irritou Swartz (e muitos outros ativistas) por duas razões: cobrava altas taxas de acesso a estes artigos, mas não reembolsava autores, e, pior, impedia que um grande número de pessoas tivesse acesso à produção de faculdades e universidades americanas. A acusação apresentada contra Swartz alegou que ele usou o seu acesso como ex-aluno de Harvard para entrar no sistema da JSTOR e baixar milhões de artigos com a intenção de distribuí-los online gratuitamente. Quando ele foi detectado e seu acesso foi cortado, a acusação alega que ele então usou uma conexão de um computador do MIT para baixar os dados diretamente em seu laptop.

Swartz nunca distribuiu qualquer um destes artigos baixados. Ele nunca teve a intenção de lucrar um único centavo de qualquer coisa que fez. Ele tinha todo o direito de baixar os artigos como um usuário autorizado da JSTOR. Uma vez preso, devolveu as cópias de tudo o que baixou e prometeu não usá-las. A JSTOR disse aos promotores federais que não tinha qualquer intenção processá-lo, embora o MIT permanecesse ambíguo sobre suas intenções.

Mas os promotores federais ignoraram os desejos das supostas “vítimas”. Liderado por um procurador de Boston, notório por seus processos com excesso de zelo, o Departamento de Justiça o indiciou por crimes diversos, com pena total de várias décadas de prisão e 1 milhão de dólares em multas.

O julgamento destas acusações criminais estava previsto para começar em dois meses. Ele se recusou terminantemente a se declarar culpado de um crime porque não queria passar o resto de sua vida como um criminoso condenado, com todo o estigma que isso implica.

Dizer que o tratamento que Swartz teve foi excessivo e vingativo é um eufemismo extremo. Timothy Lee escreveu o artigo definitivo em 2011 explicando por que, mesmo que todas as alegações fossem verdadeiras, o único crime verdadeiro cometido por Swartz daria, no máximo, 30 dias de prisão e 100 dólares de multa. “Isso parece correto: se ele deveria cumprir pena de prisão, ela deveria ser medida em dias, em vez de anos”.

 

Discursando contra as leis de regulação da internet
Discursando contra as leis de regulação da internet

 

Ninguém sabe ao certo por que os promotores federais decidiram perseguir Swartz de maneira tão vingativa, como se ele tivesse cometido algum tipo de crime grave que merecia muitos anos na prisão e a ruína financeira. Alguns teorizam que o Departamento de Justiça odiava seu ativismo e sua desobediência civil. Eu acredito que tem mais a ver com o que eu disse a Noam Cohen, do New York Times, num artigo sobre o caso Swartz. O ativismo dele, argumentei, foi empreendido como parte de uma das batalhas mais vigorosamente contestadas – ou seja, a guerra sobre como a Internet é utilizada e quem controla a informação que circula. Seu verdadeiro crime, aos olhos do governo, era desafiar as autoridades e as facções corporativas que mantêm domínio sobre a informação.

Isso é uma parte importante de por que eu o considero heróico. Ele não queria apenas se sacrificar por uma causa. Era uma causa de suprema importância para as pessoas de todo o mundo – a liberdade na internet – e ele o fez conscientemente para confrontar o Estado mais poderoso e as facções corporativas, porque concluiu que era a única maneira de alcançar esses fins.

O suicídio é um fenômeno incrivelmente complicado. Eu não conhecia Swartz o suficiente para formar uma opinião sobre o que o levou a fazer isso. Eu tinha um punhado de trocas de emails em que nós dissemos coisas agradáveis ​​sobre o trabalho um do outro e eu realmente o admirava. Tenho certeza de que até mesmo seus amigos mais íntimos e familiares estão lutando para entender exatamente o que o levou a tirar a própria vida.

Mas, apesar de seus escritos públicos e muito tristes sobre sua luta contra a depressão, é provável que um julgamento criminal que podia mandá-lo para a prisão por décadas desempenhou algum papel nisso. Essa perseguição do Departamento de Justiça é uma afronta e uma ofensa a todas as coisas decentes. Swartz foi destruído por uma “justiça” que protege totalmente os criminosos mais notórios, desde que sejam úteis para os mais poderosos do país, mas pune com inclemência incomparável aqueles que não têm poder e, acima de tudo, aqueles que desafiam o poder.

Swartz sabia de tudo isso. Mas ele seguiu em frente de qualquer maneira. Ele poderia facilmente ter optado por uma vida de grande riqueza pessoal, status, prestígio e conforto. Ele escolheu lutar – desinteressadamente, com convicção e propósito, e com grande risco para si próprio – por causas nobres pelas quais foi apaixonadamente dedicado. Isso, para mim, não é um exemplo de heroísmo, é sua mais pura expressão. É o atributo de que nosso país mais sente falta.

Eu sempre achei realmente inspirador Swartz exalar essa coragem e compromisso tão jovem. Mas sua morte também vai reforçar os efeitos inspiradores de refletir e compreender os atos extraordinários que ele promoveu em sua curta vida.