Rage Against The Machine e Pussy Riot: o rock pode estar cheirando mal, mas não morreu

Atualizado em 20 de agosto de 2012 às 20:06

 

Morello, do Rage, não quer o republicano Paul Ryan como fã

Desde que Elvis foi censurado na TV por balançar as cadeiras, o rock é feito de uma palavra que caiu em desuso pela banalização: atitude. Sempre foi assim. Antes de virar uma indústria milionária, ou enquanto virava uma indústria milionária, jovens inconformados davam voz a milhares de outros jovens inconformados. Nunca foi só a música. Essa vontade de causar estava embutida nas roupas, nas drogas, no sexo e, claro, no marketing. O rock é feito de desafio à autoridade e ao status quo, mesmo que para vender. Há algum tempo isso virou conversa para boi dormir. Com tanto dinheiro, quem quer mesmo incomodar? Quais foram os últimos rebeldes?

A banda Pussy Riot quer incomodar. O Rage Against The Machine também. A banda feminista russa que invadiu uma igreja ortodoxa pode ter passado do limite (passou?). Sim, há uma cobertura tendenciosa da mídia americana, como apontou o Diário. Mas, de certa maneira, e guardadas as proporções, não foi isso que John Lennon fez ao dizer que os Beatles eram mais populares que Jesus Cristo? Não foi desrespeitoso? O que se espera de roqueiros, pelo amor de Deus?

A qualidade musical das meninas não vem ao caso (e, para todos os efeitos, elas fazem um som bastante satisfatório para uma banda de punk rock russa). Elas conseguiram chamar atenção sobre si mesmas e tirar o sono do primeiro ministro Vladimir Putin, o czar que gosta de tirar fotos do torso nu. Em 1977, o Sex Pistols desceu o Tâmisa cantando God Save The Queen. A polícia os esperava na margem. Eles sabiam que seriam presos e que seriam notícia. O Pussy Riot não está inventando nada. Está apenas sendo coerente com seus antepassados punks.

Do outro lado do mundo delas, o líder do Rage Against The Machine, Tom Morello, publicou um artigo pago na revista Rolling Stonerenegando, de dedos em cruz, a declaração do vice do republicano Mitt Romney, Paul Ryan, segundo a qual o Rage era o grupo preferido dele. Ryan deve ter querido fazer média, mas tomou uma invertida que não esperava. O Rage tem uma agenda, e é uma agenda que vai na completa contramão do que acredita Ryan. Morello é assumidamente de esquerda, canta sobre isso, apoia grupos zapatistas, toca com camisetas de Che Guevara etc.

O Sex Pistols toca no Tâmisa em 1977

Morello, aliás, é um dos melhores guitarristas do mundo. Mas isso não vem ao caso agora. Vamos ao que ele escreveu (em resumo. A íntegra está aqui):

“O amor de Paul Ryan pelo Rage Against The Machine é incrível porque ele incorpora tudo o que nossa música tem combatido nas últimas duas décadas. Charles Manson gostava dos Beatles, mas não os entendia. E Paul Ryan não tem a menor ideia sobre sua banda favorita. Ryan declara que gosta do som, não das letras. Bem, eu não me importo com o som ou as letras de Paul Ryan”, diz Morello. “Eu imagino qual é a música preferida dele. Aquela que condena o genocídio de índios americanos? Aquela dando uma porrada no imperialismo americano? Nosso cover de Fuck The Police? Tantas escolhas para os encontros da juventude republicana!”

Ele termina com um voto: “Minha esperança é de que Paul Ryan seja uma esponja. Talvez o Rage tenha plantado algumas ideais sensatas na extrema direita de seu cérebro. Talvez ele encha Guantánamo de criminosos de corporações que estão financiando sua campanha – e então os torture com a música do Rage 24 por 7. Essa é uma possibilidade. Mas eu não aposto nela”.

No Brasil, nada acontece. Artistas vindos da periferia, como Criolo, são rapidamente absorvidos pela classe média branca e fica tudo em casa. Ninguém é contra nada. Somos todos a favor. Tudo se acomoda. Se você havia perdido a fé no caráter revolucionário do rock, o Pussy Riot e o Rage Against The Machine são a prova de que nem tudo está perdido. It’s only rock’n’roll, but they don’t like it.