A risada de Emilio Odebrecht. Por Mauro Donato

Atualizado em 16 de abril de 2017 às 7:48
Filho e pai

É bem provável que muitos tenham se ofendido com as risadas que escaparam de Emilio Odebrecht durante seu depoimento ao relatar as ‘exigências’ e a ‘fome’ da turma, que havia evoluído de jacaré a crocodilo. Não será surpresa se muitos acusarem-no de estar fazendo escárnio.

Mas Emilio Odebrecht é um septuagenário, que vive de sua construtora desde sempre (começou como estagiário em 1966 na construtora fundada por seu pai em 1944) e que sempre dançou conforme o ritmo da música. Desde o período militar.

Sua risada é menos escárnio que indignação, que ele próprio classificou como ‘incômodo’.

Diante da onda de lama provocada pela Lava Jato, Emilio Odebrecht se disse incomodado com a hipocrisia nacional, com essa reação cínica de ‘surpresa’ coletiva.

“O que nós temos não é de cinco, de dez anos. É de 30 anos. Esse sistema era um negócio institucionalizado, normal. O que me surpreende – e quero enfatizar – é quando vejo todos esses poderes, a imprensa, tudo, como se isso fosse surpresa. Me incomoda isso”, disse o patriarca.

Para ele, tudo sempre aconteceu com conhecimento explícito ou implícito das elites (políticos, empresários, imprensa…). “A aceitação era generalizada e todos se acomodavam por motivos individuais e diversos”, completou Emilio.

Ele sabe o que diz, participa dessa relação com os políticos desde que se entende por gente. Se esteve com Lula e Dilma, esteve também com FHC (o próprio ex-presidente tucano admite ter se encontrado com Odebrecht para tratar de ‘temas de interesse nacional’. Está relatado no seu livro “Diários da Presidência”).

As risadas de Emilio Odebrecht diante da estranheza da reprimenda já que ‘todos sabiam’ são um tapa na cara da imprensa também.

Os barões do jornalismo sempre souberam como funcionavam as coisas. Sempre foram coniventes e interesseiros quanto ao que omitir e o que – e quando – divulgar (como afirmou Rubens Ricupero num áudio vazado que lhe custou a cabeça por ter falado a verdade).

A grande mídia sempre soube do esquema da compra de votos para reeleição de FHC. Também sempre soube que as tais pedaladas fiscais utilizadas como argumento para levar Dilma para a guilhotina eram um recurso mais que comum entre governantes. Se Dilma tinha cometido 3 delas, Geraldo Alckmin tinha se utilizado da artimanha 22 vezes.

O próprio Michel Temer chegou a assiná-las quando esteve em exercício por conta de viagem internacional de Dilma.

A imprensa sabia que o argumento para pegar a presidente valia igualmente para outros tantos políticos mas ficou quieta. Ou então tratava um lado como ‘pedaladas’ e o outro como ‘decretos de crédito suplementar’.

Que o leitor/espectador mediano e leigo se sinta ofendido com a postura risonha de Emilio Odebrecht é compreensível. Mas a elite a que se referiu o patriarca da construtora, não apenas a elite financeira mas a pensante, demonstrar espanto ou indignação é de fato muita hipocrisia. Incomoda demais. Qualquer um sabe que mesmo entre empresas a corrupção predomina.

Pergunte como funcionam as coisas entre um vendedor de uma empresa produtora e o responsável pelo departamento de compras de outra. Ou então desenvolva um produto e tente colocá-lo à venda, por exemplo, em supermercados. Você sentirá um aroma estranho no ar. E toda a elite e o meio empresarial sabem disso. Mas fazem-se de surpreendidas, tadinhas.

A classe política nada mais é do que um aglomerado de representantes do povo. E a imagem do plenário completamente vazio logo após a divulgação da lista de Fachin confirmou, infelizmente, uma pérola da sabedoria popular: se gritar pega ladrão, não fica um.

O tamanho da lista de Edson Fachin endossa a risadaria de Emilio Odebrecht. Mais ainda: ela – a lista – parece tímida, econômica. O senso comum está mais para o que disse o outro Odebrecht, Marcelo: “Não existe político eleito que não tenha sido financiado via caixa 2. Se disser que não foi, está mentindo.”

As delações demonstram que toda e qualquer obra pública era dependente do esquema com a iniciativa privada. Do Maracanã à estradas, nada escapou.

Pergunte-se: Por que desde que as investigações começaram e a coisa toda ficou escancarada, as obras do monotrilho em São Paulo pararam? Eu respondo: o dinheiro do esquema estancou, tudo para! A engrenagem foi afetada, simples assim.

As esferas dominantes, às quais pertence Emilio Odebrecht, não tiveram escrúpulos para efetuarem qualquer exame de consciência. Em nenhum período da história. E sempre riram debochadamente da miséria periférica.

Como não entender o sorriso de Emilio?