A mulher de Moro é o elo entre a indústria da delação premiada e a máfia das falências no PR. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 1 de dezembro de 2017 às 8:50
Rosângela Moro e o marido, Sergio

Esta é a terceira reportagem da série sobre a indústria da delação premiada na Lava Jato, feita em parceria entre o Jornal GGN e o DCM e financiada através de crowdfunding. As anteriores estão aqui. Fique ligado

 

Rosângela Maria Wolff de Quadros Moro é conhecida por sua atuação em defesa da APAE do Paraná, a ponto de ela mesma se anunciar em uma audiência pública no Congresso Nacional como representante do então vice-governador do Estado, Flávio Arns, do PSDB, que era (e é) presidente da federação das associações no Estado.

Isso antes da fama do marido, Sergio Moro.

Com a fama dele, a partir de 2014, alçado à condição de herói da Lava Jato, Rosângela também se tornou conhecida em promover o marido — criou no Facebook a página Eu MORO com ele, em que reproduz matérias elogiosas.

Pouco se sabe da atuação de Rosângela no sentido estritamente profissional do direito.

Ela apareceu na lista de advogados a quem o doleiro Rodrigo Tacla Durán fez pagamentos por serviços (não especificados) prestados, teve seu nome divulgado no site do escritório de um amigo de Moro, Carlos Zucolotto Júnior, como profissional da sociedade. Mas, no cadastro nacional da OAB, aparece como integrante de outro escritório de Curitiba, o Andrade Maia.

Ao portifólio particular de Rosângela, podem-se acrescentar serviços prestados também à família Simão, apontada em uma CPI de 2011 como integrante da Máfia das Falências do Estado, uma organização que se desenvolveu no seio do Poder Judiciário do Paraná.

Quem estava na linha de frente da defesa da família Simão é Marlus Arns, sobrinho do ex-vice-governador Flávio. A mulher de Moro também aparece como advogada de uma das massas falidas administradas pela família Simão, só que com menor destaque do que Marlus. É a da GVA, fabricante das famosas placas madeirit.

A GVA, ao quebrar, deixou as páginas de economia para entrar nas de polícia.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Guarapuava, no interior do Paraná, Sirlei César de Oliveira, se lembra bem do caso da GVA, até porque até hoje luta para que os trabalhadores recebam algo das verbas rescisórias.

Marlus Arns

“Ninguém recebeu nada. A verba está depositada em juízo, mas eles não têm interesse em buscar a solução. Enquanto isso, vão administrando os bens e desviando o dinheiro que entra”, afirma.

O esquema da Máfia das Falências, revelado pela CPI, é engenhoso.

Pelas contas do então deputado estadual Fábio de Souza Camargo, presidente da CPI, pelo menos R$ 400 milhões foram desviados de empresas que quebraram e deveriam ser usados para o pagamento do Fisco, trabalhadores e credores.

A CPI foi encerrada antes do relatório por decisão da Justiça, mas Fábio e alguns deputados continuaram a investigar, com audiências públicas pelo interior do Estado, onde a máfia deixou rastro. Uma dessas audiências foi em Guarapuava, cidade da GVA. Marlus representou a família Simão.

Cobrado por não ter pago os trabalhadores, o advogado fez uma acusação séria. Disse que o sindicato tinha recebido honorários no valor de R$ 1,1 milhão, como adiantamento por honorários devidos — 10% sobre o valor da dívida total.

“Era mentira. O sindicato teria, sim, direito a honorários, mas assim que todas as verbas fossem quitadas, ou seja, 10% do total de R$ 11 milhões”, disse ao DCM.

Alguns meses depois de instalada, a CPI foi proibida de continuar funcionando pelo Tribunal de Justiça do Paraná, a pedido da Associação dos Magistrados do Estado. Na ação, a AMAPAR afirmou que agia em nome dos juízes de sua base, que estariam se sentidos ameaçados pelos parlamentares.

A AMAPAR não apresentou os nomes desses juízes. Ainda assim, como entidade de classe, teve o pedido de encerrar a CPI aceito pelo tribunal.

O argumento da associação é que a CPI foi criada sem que houvesse fato determinado que justificasse sua instalação. Para o presidente da Comissão, Fábio de Souza Camargo, era um pretexto. A CPI, segundo ele, estava chegando ao coração de uma verdadeira máfia.

Filho de um ex-presidente do Tribunal, desembargador Clayton Camargo, e irmão de uma juíza que atuava na vara de falências, Fábio disse que, ao contrário do que imaginava no início, a máfia não estava fora do Judiciário.

“Não era um esquema qualquer. Fosse um esquema montado com o fim exclusivo de fraudar os juízes e o Judiciário, um esquema ‘de fora para dentro’, ele já teria sido desmantelado. Ficou claro para mim, cada vez mais, que o esquema é de ‘dentro para fora’, ou seja, os operadores reais estão dentro das entranhas do TJPR”, escreveu ele, no livro “Poder, Dinheiro e Corrupção – Os Bastidores da CPI das Falências”.

Fábio diz que o livro, escrito e editado por ele, foi a alternativa que encontrou para revelar o que havia apurado na CPI. A obra chegou a ser proibida pela Justiça, e recolhida das livrarias, mas ainda assim é possível encontrar exemplares em alguns estabelecimentos.

Para esta reportagem, comprou-se um exemplar numa livraria da Universidade Federal do Paraná.

Rosângela Moro aparece como advogada da massa falida da GVA em pelo menos seis ações trabalhistas. Segundo o deputado Fábio, a contratação de advogados, com honorários a peso de ouro, era uma das formas utilizadas pela máfia para desviar recursos das massas falidas.

Não se pode afirmar que este tenha sido o caso de Rosângela.

“Nós chegamos a bloquear alguns pagamentos de honorários”, recordou o presidente do sindicato dos trabalhadores, que se lembra de Marlus, mas não de Rosângela.

“Era o Marlus que comandava toda a assessoria jurídica da família Simão, informou o sindicalista. Segundo a CPI, Marlus respondia ao mesmo tempo pela assistência jurídica da massa falida da GVA e também da Gran Comp Insumos e Compensações, uma das empresas que celebraram contrato de arrendamento da massa falida, a preço vil, segundo o deputado.

O conflito de interesses era evidente.

O então deputado Fábio Camargo autografa seu livro, recolhido pela Justiça

Marlus estava no dois lados do balcão e, mais tarde, a polícia civil descobriu que a arrendatária representada por Marlus nos negócios jurídicos tinha como proprietário um motorista, possivelmente laranja da família Simão.

Massa falida, arrendatária e advogado formavam um bolo só.

Rosângela advogar para uma quadrilha que fraudava a administração de massas falidas não é, em si, crime. Advogados costumam trabalhar para pessoas acusadas de ultrapassar a linha da legalidade.

O problema está na sua relação com Marlus Arns. Criminalista, Marlus se tornou um dos principais advogados das delações premiadas homologadas por Sergio Moro, na Justiça Federal.

Ele entrou para esse ramo mesmo depois de criticar, publicamente, o expediente.

Segundo a Folha de S.Paulo, Arns criticava o instituto da delação premiada nas aulas que dava na Academia Brasileira de Direito Constitucional.

Arns se tornou especialista em delação sem ter conhecimento específico nesse tipo de negociação — como, de resto, ninguém tem —, assim como foi advogado de administradores de massa falida mesmo tendo como especialidade o direito criminal.

O que pode explicar o destaque de Arns tanto em uma quanto em outra especialidade é as relações que possui.

Marlus defende as APAEs em diversas ações no Tribunal de Justiça de Justiça. Não custa lembrar: a responsável pela procuradoria jurídica da Federação da APAE, presidida por Flávio Arns, é Rosângela.

O elo não termina aí. O irmão de Marlus, Luiz Carlos, é dono de um curso de especialidade em direito à distância, onde pelo menos um integrante da Força Tarefa da Lava Jato deu aula.

Com a revelação de que Marlus atuou na linha de frente da defesa de integrantes da Máfia das Falências e Rosângela Moro foi um das advogadas contratadas, o juiz Sergio Moro fica numa situação, no mínimo, incômoda.

O que o deputado Fábio Camargo descobriu e publicou em seu livro é que a Máfia das Falências teve origem na prática de indicar sempre os mesmos advogados para gerir as massas falidas — com ações que, segundo ele, consistiam em lesar credores, trabalhadores e o Fisco.

O deputado apontou cinco escritórios que controlavam a maior parte das massas falidas em todo o Estado — a família Simão, à qual Marlus era ligado, tinha o maior número.

Com as delações premiadas, acontece a mesma coisa.

Basta olhar para o quadro de advogados que têm sido bem sucedidos nas delações em Curitiba para descobrir que eles se contam nos dedos de uma única mão.

Marlus estava fora desse clube fechado até que Beatriz Catta Preta, de São Paulo, desistiu da Lava Jato depois de costurar a maior parte dos acordos.

Alegando ameaças, disse que deixaria o Brasil. Chegou a anunciar Miami como seu novo endereço, mas é vista em São Paulo e, segundo advogados, até atende alguns clientes.

O clube restrito de especialistas em delação lembra o das falências, mas isso não significa que, na Justiça Federal, haja práticas criminosas.

Para afastar esse risco, advogados entendem que seria prudente abrir a caixa preta das delações e definir um protocolo de acordos, com regras claras e transparência, para que amanhã não se descubra que o instituto foi excelente para advogados que buscam fortuna e péssimo para a Justiça.

Depois de aparecer na Máfia das Falências, os Simão protagonizaram outro escândalo. Fábio Zanon Simão, irmão de Marcelo, era alto funcionário do Ministério da Agricultura desde 2015, por indicação do PMDB, e foi preso na operação Carne Fraca.

A acusação contra ele: cobrar propina para conseguir facilidades no Ministério da Agricultura.

Em 2015, quando foram divulgadas por blogs uma suposta ligação de Rosângela Moro com o PSDB, ela foi ao Twitter para dizer, em mais de um post:

Atenção tuiteiros. Não sou, nunca fui advogada de partido político algum, seja do pt, psdb, pdt, pqp. Tampouco sou filiada a partido politico. Não sou, nunca fui advogada de qualquer político. Fui, em meados de 2009-2010, advogada da uma massa falida na área trabalhista, cujos síndicos, aliás, me passaram o calote, nunca pagaram os honorários, razão pela qual pedi renúncia em TODOS os processos.

Na época, ficou sem sentido a referência à massa falida. O que tem a ver massa falida com os partidos?

Mas agora se sabe: ela estava falando da GVA.

Rosângela disse que renunciou à defesa das ações trabalhistas da massa falida, mas Marlus continuou, firme, na defesa dos Simão.

Marlus e Rosângela ainda se encontraram profissionalmente nos caminhos jurídicos da APAE e agora, de uma forma indireta, na Vara de Sergio Moro.

Quando se olha para a família Simão, vê-se Marlus na sombra. Quando se olha para Marlus, é impossível não enxergar pelo menos o vulto de Rosângela Moro. No cenário onde os dois atuam, destacam-se os pilares da Justiça.

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PS: Encaminhei e-mail para Rosângela Moro com perguntas para esta reportagem. Até agora, ela não respondeu.