A ruína do golpe, o juízo da história e o movimento da elite. Por Aldo Fornazieri

Atualizado em 22 de maio de 2017 às 9:17
O autor do programa “minha autoestima, minha vida”

Publicado no JornalGGN.

POR ALDO FORNAZIERI

O arranjo do golpe ruiu. Se não vierem eleições diretas e Temer continuar no governo, o que se verá nos próximos meses será um semimorto se arrastando, com as carnes rasgadas e dilaceras, empunhando um bastão, ainda tentando fazer algum mal ao povo brasileiro. A história foi justa, rápida, implacável e severa para com os líderes do golpe e suas respectivas quadrilhas. Aécio, Temer e Cunha lideraram o impeachment para se apossar do poder, barrar a Lava Jato e continuar cometendo crimes, o último, inclusive, da cadeia.

Quis a história ou a deusa Fortuna retirar o debate acerca do caráter golpista do impeachment do terreno acadêmico e especulativo para colocá-lo no terreno dos fatos, pronunciando uma sentença irrevogável e definitiva: o impeachment foi golpe e, a cada dia que passa, novas revelações comprovam o seu caráter conspirativo. Com isso, foi julgada também a conduta de vários intelectuais, analistas consultores e jornalistas que se acovardaram diante dos acontecimentos e da pressão dos interesses opressivos e criminosos que agrediram a democracia.

A história carimbou a conduta do Supremo Tribunal Federal com a marca de omisso e conivente. A questão era simples: não se pode tirar um governo eleito, em nome do combate à corrupção, para colocar em seu lugar as piores e mais especializadas quadrilhas que vinham assaltando o poder público há décadas. Tal artimanha das elites estava destinada ao fracasso e a abrir feridas de um conflito político que se prolongará pelos próximos anos. Se quisessem uma saída razoável para os impasses do governo Dilma teriam que buscá-la em outro lugar e por outros métodos, não pela violência contra a democracia e a Constituição.

O golpe caminhou para a ruína pelas seguintes razões: ficou cada vez mais evidente o caráter delinquente do governo e dos seus principais chefes; as promessas de uma retomada rápida da economia não ocorreu, agravando o desemprego e a recessão; as contas públicas não foram saneadas; buscou-se jogar o peso brutal da crise sobre os ombros dos mais pobres e dos trabalhadores com as reformas retrógradas e conservadoras, liquidadoras de direitos; os índices de apoio a Temer caíram próximos de zero; criou-se uma cisão interna no arranjo golpista tendo, de um lado, o Partido do Estado (Procuradoria Geral da República, parte do Judiciário, PF, Lava Jato e parte da grande mídia) e, de outro, o bloco político articulado em torno do Planalto, no Congresso e em partidos, tendo apoio de outros setores da grande mídia.

Rearticulação das elites

O motivo principal da cisão foi o risco das punições de políticos, de desgraça de suas carreiras políticas, de perda de mandatos e de prisões. O bloco político do golpe começou a jogar contra a Lava Jato, retirando-lhes recursos humanos e financeiros, buscando saídas escapistas no Congresso e o controle da PGR  e da PF. O capital também começou a se dividir em torno desta cisão. Os setores mais corruptos do capital – notadamente as construtoras, a JBS e ao que tudo indica o capital financeiro – temendo prisões e prejuízos, começaram a fazer acordos com o Partido do Estado.

Com estas encrencas todas, Temer foi perdendo a condição de articular uma alternativa de poder para 2018, ameaçando arrastar para o abismo o seu principal sustentáculo: o PSDB. O constante crescimento de Lula nas pesquisas, mesmo com o massacre diário contra ele,  fez com que o Partido do Estado e parte das elites começassem a perceber os riscos que corriam acerca de suas ambições futuras de poder.

Lula foi se tornando um grande problema para eles. Como deixá-lo de fora das eleições liderando as pesquisas? Isto poderia convulsionar o país, ainda mais com Temer na presidência investindo contra os direitos do povo. E como condená-lo, deixando impunes figuras como Temer, alguns de seus ministros, caciques do PMDB e do PSDB, notadamente Aécio Neves? Os movimentos sociais e parcela crescente da sociedade jamais aceitariam esta solução e o Brasil agravaria seu descrédito internacional. Com as divisões internas e com a situação ameaçando fugir do controle tornou-se necessário buscar outra saída, com a degola do principal problema: Temer e seu governo.

Se Temer e o bloco político do golpe estão sendo derrotados, qual é a saída que o Partido do Estado e seus aliados constroem? Aparentemente, existem duas variáveis: 1) a escolha de um presidente pela via indireta que possa articular uma alternativa de poder para o próximo ano, inclusive, podendo ele mesmo ser esta alternativa. Para isto, as reformas da previdência e trabalhistas seriam amenizadas não se descartando, inclusive, a sua retirada de pauta. Apostar-se-ia na retomada do crescimento e do emprego, com um presidente e um ministério isentos de acusações; 2) se o presidente eleito indiretamente não vier a ser candidato, supondo-se as condições políticas e econômicas do ponto anterior, ele criaria condições para eleger um candidato novo, um Dória ou um empresário.

A questão de o que fazer com Lula ainda fica em aberto. A decisão será tomada a partir dos desdobramentos da atual crise e à luz da evolução da conjuntura. Em síntese: além das divisões internas do arranjo golpista, a tentativa de derrubar Temer visa aumentar o controle sobre o processo eleitoral de 2018. Se ele cair, tudo indica que buscarão um presidente e um ministério com perfis desvinculados de participação direta no golpe e de acusações da Lava Jato.

A crise de longo prazo e as forças progressistas

Diante deste cenário ou de outro mais convincente que se apresentar, já que este é hipotético, o que as forças democráticas e progressistas devem fazer? Não deve haver nenhuma vacilação quanto às iniciativas de colocar abaixo o governo ilegítimo de Temer, buscando acumular força. Este embate deve vir associado com a exigência de “Diretas Já” e a paralisação das reformas conservadoras. É preciso apostar todas as fichas nas mobilizações de rua, visando estabelecer uma nova correlação de forças e construindo a unidade popular e progressista a partir da luta e da definição de uma plataforma, de um programa em comum.

Note-se que a presente crise é uma crise de longo prazo, pois ela tem uma face política e outra econômica e social. A face política diz respeito a quem controlará o governo, os orçamentos, os fundos públicos e quem financiará o Estado. A face econômica e social diz respeito ao grave desequilíbrio distributivo entre o capital e o trabalho, os ricos e os pobres, a desigualdade e a justiça. Pelo fato de as duas crises se entrelaçarem, os embates e a polarizações se prolongarão no tempo.

Se Lula não puder concorrer, um possível futuro presidente conservador eleito terá que ser confrontado pela petição de ilegitimidade. Se Lula concorrer e vier a ser derrotado por um presidente conservador, este se sentirá legitimado para cometer atrocidades contra os direitos do povo e terá que sofrer dura oposição dos movimentos sociais. Se Lula concorrer e vencer, não será aceito pela direita e terá que ser defendido nas ruas. Além disso, a natureza de seu governo teria que ser disputada pelos movimentos sociais, impedindo a conciliação da era petista anterior.

Em suma: a crise e as lutas são de longo prazo porque o Brasil entrou num período de sua história no qual não haverá paz social e política enquanto o equilíbrio econômico e social, fundado na justiça e na igualdade, não for estabelecido e enquanto a democracia não se tornar efetiva. Afinal de contas o golpe ensinou que não se pode confiar nas elites que se servem do Estado pela corrupção e pela apropriação dos fundos públicos, que querem perpetuar a injustiça e a desigualdade e não titubeiam e violar a democracia.