Se apenas a repressão resolvesse, os arrastões teriam sumido há 20 anos. Por Marcos Sacramento

Atualizado em 27 de setembro de 2015 às 11:02

arrastão

 

Em 1992, a palavra “arrastão” se popularizou no país, depois de uma onda de roubos e furtos nas praias do Rio de Janeiro. Duas décadas depois o problema volta ao noticiário, desta vez com retoques: de um lado, gangues da Zona Sul se unem para reprimir os roubos por conta própria; do outro, na outra ponta, os autores dos roubos exibem nas redes sociais o espólio roubado e anunciam outros arrastões.

O que continua igual a 23 anos atrás é a atitude do poder público diante do problema. Governos do Estado e Prefeitura mostram sintonia em ignorar a raiz social dos arrastões no Rio, como se o problema não tivesse relação com a desigualdade social endêmica na sociedade brasileira.

“Não vamos tratar quem instala clima de terror como questão social. A lei permite que as Forças de Segurança atuem. Não pode chamar jovem que sobe em teto de ônibus de vulnerabilidade social. São as injustiças do Brasil. Mas vamos justificar então que o sujeito vá para a rua assaltar e agredir quem está na praia?”, disse o prefeito do Rio Eduardo Paes ao Globo.

O governador Luiz Fernando Pezão teve o mesmo discurso tacanho, focado apenas na repressão.  “Se tiver um ônibus com adolescentes que não pagaram a passagem, que estão descalços, de bermuda e sem documentos, eles serão levados para a delegacia, e os pais terão que ir buscar. Da última vez prendemos 112, e parentes de apenas cinco menores foram buscá-los. Isso não é normal. Se querem que o filho vá para a praia, tem que acompanhar e dar condições para o filho passar o dia na praia”.

Tratar os arrastões unicamente como caso de polícia é ignorar os impactos negativos que uma vida privada de educação de qualidade, assistência médica, saneamento, moradias confortáveis e vínculos familiares provoca nos moradores das áreas empobrecidas. Se a repressão sozinha resolvesse, os arrastões teriam saído de cena junto com o verão de 1992.

O rapper Emicida, com uma sensibilidade social que falta à maioria das lideranças políticas, foi perspicaz ao comentar sobre como é crescer em um ambiente com baixos indicadores sociais e elevados índices de violência.

“Acho que quando você nasce num bairro violento, a pior coisa que aquele ambiente faz para você é destruir a sua humanidade. E isso é uma coisa que é incomensurável, não tem como você quantificar o quanto de compaixão aquela pessoa perdeu por estar em um ambiente muito agressivo. A gente está falando de uma vida num barraco onde, do lado, o cara batia na mulher dele e você ouvia tudo aquilo com quatro anos de idade”, disse Emicida em entrevista à BBC.

Por outro lado, os caciques do Rio de Janeiro (e dos demais estados brasileiros) ignoram as razões que levam a essa “perda da humanidade” citada por Emicida. Em vez de trabalhar sério para equiparar o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) dos bairros periféricos com o das regiões nobres, implementam ações imediatistas que só aumentam a segregação, como restringir linhas de ônibus que levam às praias ou abordar jovens tendo como critério as vestimentas simples e falta de dinheiro no bolso.

Combater as raízes do problema ninguém quer. Os resultados só viriam dentro de décadas de trabalho contínuo e não poderiam ser usados nas próximas eleições. Melhor bancar os xerifes e mandar todo mundo encostar na parede. As reflexões eles deixam para os rappers.