Luciana Genro fala ao DCM dos ‘três irmãos siameses’, da taxação às grandes fortunas e outros temas da campanha presidencial

Atualizado em 7 de setembro de 2014 às 23:46
Luciana Genro
Luciana Genro

 

Luciana Genro é advogada e candidata do PSOL, Partido Socialismo e Liberdade, à Presidência da República, com intenções de voto que variam entre 0,3% e 1% nas pesquisas eleitorais. Descendente de políticos, como seu pai, o governador gaúcho Tarso Genro do PT, e seu avô, Adelmo Simas Genro, que passou pelo PTB e pelo PSB.

O DCM entrevistou Luciana em São Paulo e perguntou sobre a homofobia, a cobertura da mídia, sua relação com seu pai, a sua forma de encarar a inflação se assumir a cadeira presidencial, suas críticas ao PT, suas críticas à Marina Silva, como ela pretende taxar os mais ricos no Brasil e o que ela achou sobre as Jornadas de Junho que se iniciaram em 2013.

A senhora disse que Marina, Dilma e Aécio são os “três irmãos siameses” por ter financiadores de campanha similares, como o banco Itaú. Não é um exagero?

Os financiamentos de milhões de reais vão para estes três, mas é possível que partidos menores recebam dinheiro das mesmas fontes. Nós do PSOL temos uma restrição estatutária para não se financiar com verba de bancos, empreiteiras e empresas multinacionais. Recentemente o supermercado Zaffari, do Rio Grande do Sul, fez uma doação, mas não temos um fluxo de relações com as grandes corporações. É diferente da relação entre a Friboi e o governo federal. Eles receberam 7 bilhões de reais do BNDES e doaram alguns milhões na campanha. É uma relação promíscua de favores eleitorais. No entanto, quando falo que eles são irmãos siameses, falo além do financiamento de campanha.

Como assim?

Eles defendem a mesma política econômica. O tal do “tripé econômico” é defendido pelo Aécio, pela Marina e pela Dilma. Os três só têm diferenças no grau de ajuste fiscal. Aparentemente, os economistas do PSDB pedem uma mudança mais forte que o PT está fazendo, reclamando do represamento de preços e da inflação, além de pedir mais superávit econômico. Mas a essência de tudo é a mesma coisa, porque o PT fará ajustes se for eleito. E a Marina parece estar mais próxima do PSDB do que o governo. Ela vai além porque defende a autonomia do Banco Central, algo que nem o Aécio Neves defende. Isso é entregar toda a economia de papel passado para os mercados. A política econômica é o coração de todas as políticas. É impossível fazer mudanças estruturais com saúde, educação, transporte e segurança, demandas que vieram dos protestos de junho de 2013 e não foram atendidas, com esta política econômica vigente. Os financiadores só são a expressão dos desejos em comum.

Como você pretende combater a homofobia se for eleita, tema que causou polêmica atualmente com Marina Silva?

Pretendo dar apoio presidencial ao casamento civil igualitário, além de equiparar o crime de homofobia ao racismo e implementar um projeto de “Escola Sem Homofobia”. A ideia é combater o bullying escolar para desenvolver uma educação com respeito à diversidade. Essas serão as primeiras medidas que tomaremos no Planalto, contra a homofobia e a transfobia.

Como a senhora encara a possibilidade de não ir nem ao segundo turno, segundo pesquisas?

Nada deve parecer impossível de mudar, como dizia Bertold Brecht. Vimos o Marcelo Freixo chegar a 30% dos votos na campanha da prefeitura do Rio de Janeiro. Eu acho que minha candidatura do PSOL terá algum crescimento. Entretanto, existe um grau de manipulação nas pesquisas eleitorais, inclusive nas margens de erro que as instituições admitem ter. Nós soubemos que o Ibope chegou a nos excluir das pesquisas presidenciais deste ano e entramos com uma representação no TSE contra isso. No entanto, o problema maior é outro.

Qual é o maior problema? 

Há uma desigualdade de estruturas de campanha, os tempos de televisão são brutalmente diferentes e existe também um desnível na cobertura da mídia. A grande massa da população se informa pela TV e acha que só tem três candidaturas, principalmente quem assiste a Rede Globo. A bancada do Jornal Nacional deu 15 minutos para Aécio Neves, Dilma Rousseff e Marina Silva, além do falecido Eduardo Campos, e 40 segundos para mim. É uma desproporção muito grande.

A manipulação na cobertura para manter os três candidatos do sistema se dá menos pela pesquisa e mais na cobertura jornalística. O modelo de campanha eleitoral é muito desigual, também. Se eu tivesse a mesma exposição que tem a Dilma, o Aécio e a Marina, eu tenho certeza que minha candidatura iria crescer. Tem gente que acha que não vale a pena votar em mim. Costumo dizer que o primeiro turno é pra votar naquele que você acha melhor, pra só depois fazer o voto útil.

Você reclamou no debate do SBT da política de manipulação dos juros para cuidar da economia. Como a senhora pretende enfrentar a inflação sem beneficiar os bancos?

O método de metas inflacionárias foi criado em 1999, no segundo mandato do então presidente Fernando Henrique Cardoso, por força de um acordo com o FMI. Se esse modelo fosse um remédio para uma doença, ele pode acabar matando o paciente. É isso que nós estamos vendo acontecer agora quando o país entra na chamada recessão técnica.

Qual seria a alternativa? Se a gente observar a inflação dos últimos 20 anos, nós vamos perceber que 39% dela vem dos preços administrados pelo governo. Além disso, uma grande parte da inflação medida pelo IPCA é composta pelos alimentos. O nosso modelo agrícola é de tipo exportador, de produção de commodities, e não para consumo interno. Sabendo disso, eu proponho um controle de inflação baseado na administração dos preços.

Embora alguns digam que a atual gestão represou preços, a conta de luz subiu acima de inflação, além do preço da gasolina daqui ser um dos mais caros do mundo, mesmo com o pré-sal.

Falando em desigualdade: a senhora leu o livro “O Capital no Século 21”, de Thomas Piketty? O que achou?

Não li ainda porque, quando foi lançado, eu já estava envolvida com as eleições e é um livro gigantesco. No entanto, li algumas partes do texto dele, que baixei aqui no meu iPad, e várias resenhas a respeito. Embora Piketty não seja marxista, ele chama atenção para elementos muito graves do modelo capitalista, que é a concentração de renda e uma riqueza que não se forma através do trabalho. É uma riqueza financeirizada, vem de heranças. Com esses alertas, ele faz uma contribuição grande para os socialistas e para os anticapitalistas. Piketty talvez não leve em conta algumas mecânicas internas do capitalismo, mas seu estudo sem dúvida é uma contribuição importante para este século.

Como vai funcionar a taxação de grandes fortunas, baseada no artigo 153 da Constituição?

Vamos apresentar ao Congresso um novo projeto de regulamentação do dispositivo constitucional para as grandes fortunas, propondo uma cobrança de uma alíquota de 5% ao ano aos que possuem patrimônio acima dos 50 milhões de reais. A alíquota será aplicada para quem exceder esse valor. Pelos cálculos de nossa equipe econômica, é possível arrecadar logo no primeiro ano cerca de 90 bilhões, mais do que o Brasil investiu em educação no ano de 2014.

O Rio Grande do Sul foi um dos berços do MPL e dos protestos no Brasil. Como a senhora e o PSOL enxergam essa mobilização social?

Apoiamos os protestos, mas o PSOL, como um todo, não endossa as ações isoladas dos black blocs. No entanto, precisamos entender que esses meninos são fruto de uma sociedade excludente e injusta, sem perspectiva de futuro e que gera uma revolta quase impotente.

Tenho a opinião de que ações isoladas dos blocs prejudicam o movimento todo. No entanto, nem sempre eles fazem isso, mas sim grupos infiltrados pela própria polícia. Essas depredações provocam uma violência desproporcional das autoridades. Meia dúzia de pessoas quebrando uma vidraça pode gerar uma repressão da polícia que atinge todo mundo.

Eu mesma levei bomba de gás lacrimogêneo, no Rio Grande do Sul, da polícia que é comandada pelo meu pai. E eu não estava depredando nada. Há uma reação desproporcional que gera medo nas pessoas que vão protestar, diminuindo o número de pessoas que vão participar de uma mobilização democrática.

No entanto, acredito que os black blocs não são um problema à altura dos políticos corruptos. São eles que depredam o patrimônio através do desvio de verbas.

Como é a relação com seu pai, o governador Tarso Genro, sabendo que você foi expulsa do PT?

A gente vê, normalmente, oligarquias familiares na política, com mandatos que são transmitidos como herança de pai para filho ou filha dentro de um mesmo partido. Minha relação com meu pai supera esses estereótipos. Nós temos uma relação muito boa, de grande respeito e de amor, mas nós temos posições políticas diferentes e isso faz parte da tradição da nossa família. Meu avô [Adelmo Simas Genro] era trabalhista e, quando faleceu em 2003, era presidente de honra do PSB no Rio Grande do Sul. Meu pai é do PT e eu também era, até ser expulsa com a Heloísa Helena, o João Fontes e o Babá para fundar o PSOL.

Poucos meses antes de morrer, meu avô publicou um artigo em um jornal de Santa Maria dizendo que eu tinha puxado uma característica dele, porque “ela não lambeu o prato que cuspiu”. Ele queria dizer que eu não aceitava governar o Brasil ao lado de gente como [José] Sarney e [Fernando] Collor. Não concordei com essas mudanças que estavam ocorrendo no PT. Por isso, essas diferenças políticas sempre foram encaradas com naturalidade dentro da minha família, para defender as ideias que eu acredito.

 

luciana