“Selvagens polidos”: o Brasil que chocou Darwin há 185 anos é o mesmo. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 27 de julho de 2017 às 9:26
“Selvagens polidos”

 

O que chocou Darwin em sua passagem pelo Brasil há 185 anos continua assombrando qualquer cidadão que não banalizou nossa tragédia nacional.

Boa matéria da Deutsche Welle sobre o naturalista britânico conta que a diversidade da floresta tropical e a escravidão foram cruciais para sua revolucionária teoria que separou, pela primeira vez, a ciência da religião, lançada no livro “A origem das espécies”, de 1859.

Destaco alguns trechos:

A ideia de que a postura antiescravagista de Darwin estaria na origem da Teoria da Evolução é defendida por dois grandes especialistas na obra de Darwin e biógrafos do naturalista, Adrian Desmond e James Moore, no livro A causa sagrada de Darwin.

“Vivenciar a escravidão desta forma e constatar a diferenciação absurda feita entre seres humanos certamente o impactou bastante”, sustenta Moreira. “Ele cita muitas vezes exemplos claros de crueldade contra escravos e dá para notar claramente a irritação dele ao discutir a escravidão com Fritz-Roy.”

Poucos dias depois da chegada de Darwin ao Rio, o naturalista escreve que conheceu um inglês que se preparava para visitar suas propriedades, “situadas a pouco mais de 100 milhas (160 km) da capital”, ao norte de Cabo Frio. “Ele teve a gentileza de me convidar como companhia, o que aceitei com prazer”. A expedição começou no dia 8 de abril. Darwin conta que, em meio a um calor intenso, o silêncio da mata era completo, “quebrado apenas pelo voo preguiçoso das borboletas”.

Já neste primeiro dia, o grupo passou por uma fazenda na Lagoa de Maricá. Lá ele ouviu uma história que reproduz em seus escritos. Um grupo de capatazes teria sido enviado em busca dos escravos fugitivos e todos eles acabaram se rendendo, encurralados junto a um precipício, à exceção de uma mulher, já de uma certa idade, que preferiu se lançar para a morte. “Praticado por uma matrona romana, esse ato seria interpretado e difundido como amor à liberdade”, escreveu Darwin. “Mas da parte de uma pobre negra, se limitaram a dizer que não passou de um gesto bruto.”

“Jamais voltaria”

Outra história chamou muito a atenção de Darwin, desta vez numa fazenda em Conceição do Macabu, no interior do estado.

“Ele fica particularmente chocado ao ver um capataz ameaçar separar uma família como forma de punição”, conta Kátia Leite Mansur, do Departamento de Geologia da UFRJ, uma das idealizadoras do projeto Caminhos de Darwin, que mapeou toda a região por onde o naturalista passou em sua expedição. “Ele escreve que além do uso da força, é um dos castigos mais cruéis. E diz que jamais voltaria a um país em que houvesse escravidão.”

(…)

O Brasil mudou pouco de lá para cá. Nossa herança é nossa maldição. Tudo parece que é ainda construção e já é ruína, como disse o poeta.

O empenho de Temer e seus capangas para destruir o legado de avanços sociais — modesto, de resto — é impressionante. Tanto quando o silêncio cúmplice dos batedores de panela.

Nosso destino é ser desigual. Antes de chegar a padrões mínimos de civilização, uma extrema direita se articula em torno de um Bolsonaro, aquele que deu o peso em arroba de um “afrodescendente num quilombo” em palestra num clube judaico.

Darwin chamava os ingleses preconceituosos de “selvagens polidos”. Os “selvagens polidos” brasileiros estão no comando aqui, agora e para sempre.