‘Só a Justiça de pequenas cidades no interior erra’: a palestra de Carmen Lúcia, do STF, em congresso de jornalismo. Por Zambarda

Atualizado em 26 de junho de 2016 às 9:47
A ministra do STF Carmen Lúcia com Míriam Leitão
A ministra do STF Carmen Lúcia com Míriam Leitão na Abraji

 

“Isso acontece principalmente com advogados que tiram fotos com os ministros e expõem em seus escritórios. O cliente acha que ele influencia o Supremo, mas há blefes o tempo inteiro”, disse a ministra do STF, Cármen Lúcia, no 11º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo  da Abraji, ocorrido na sexta (24). A juíza se descreveu como uma “serva do Direito”.

Cármen Lúcia deu uma palestra no painel “Liberdade de imprensa e expressão no Judiciário”, ao lado da colunista da Globo Míriam Leitão. Foi interrompida por poucas perguntas da internet e da plateia, o que transformou o evento num monólogo.

A juíza defendeu sua carreira e a atuação do Supremo na Lava Jato, agradecendo também a grande mídia. Aos 62 anos, ela afirma que o trabalho da imprensa foi fundamental na sua atuação frente ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entre 2012 e 2013. Para ela, não há excessos dos jornais e das televisões. A mídia publica apenas o que o judiciário permite que seja divulgado.

“Quando deixei a cadeira do TSE, eu fiz questão de agradecer à imprensa antes mesmo dos meus próprios colegas de carreira. O trabalho de vocês é fundamental para o bom funcionamento da Justiça”.

Questionaram-lhe se ela e colegas não sofrem influências em seus votos e nos julgamentos. “Sofrem? O magistrado é um indivíduo recluso. Não consigo acreditar que seja possível comprar uma sentença. Somos seres públicos, nossos salários são conhecidos e eu custo a acreditar que a Justiça seja comprada. Na fila da padaria a pessoa pode achar que me influencia, mas no tribunal a história é outra”, disse.

Cármen Lúcia não explicou a fotografia de Gilmar Mendes num almoço com o senador José Serra e o economista Armínio Fraga em março deste ano. O encontro ocorreu no restaurante Trattoria do Rosário, em Brasília, antes do julgamento dos embargos no processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

A juíza, inclusive, recusou-se a aceitar publicamente que os magistrados sejam parciais em suas ações.

“Enxergo erros apenas na Justiça de pequenas cidades no interior. Lá, se um juiz é pego num bar bebendo às 10 da manhã, ele é exonerado e expulso do município, me disseram. O campo funciona de outra forma”.

Cármen Lúcia caracterizou como “esquisitos” os atos de juízes do Paraná ao processarem jornalistas da Gazeta do Povo. Ela afirma que tem oito processos da imprensa em suas mãos.

“A maioria deles é de jornalista contra jornalista. Falo melhor dos meus casos. É um indivíduo que se sentiu lesado por uma postagem de um blogueiro. Mas vivemos em tempos mais democráticos, em que a informação corre muito mais fácil pelas redes sociais do que o jornal velho que eu leio”.

O discurso da juíza é agradável e reconfortante para os desavisados neste momento da queda de Dilma. Nascida em Montes Claros, em Minas Gerais, a magistrada fez referências ao poeta Carlos Drummond de Andrade e aos clássicos gregos, como a tragédia Antígona, de Sófocles, e a filosofia de Sócrates.

“Há vários tipos de democracia. As instituições ainda estão funcionando plenamente. Pode não agradar a um ou a outro, mas o que é divulgado na imprensa é o que é permitido num processo”.

Para ela, vazamentos ilegais na Lava Jato são ruins porque o investigado pode destruir provas do crime e comprometer investigações.

Cármen Lúcia pode ser empossada a partir de setembro como nova presidente do Supremo Tribunal Federal, no lugar de Ricardo Lewandowski.

A ministra diz que é vista como “ingrata” e “severa” por figuras públicas e por seus pares, sem especificar quem seriam essas pessoas.

Ao falar da imprensa, dos processos judiciais contra jornalistas e de colegas no Supremo, Cármen Lúcia amansa a fala. Sua defesa do Direito é manca, mas os objetivos dela parecem óbvios no curto prazo.