Só faltou Moro dizer uma coisa no encontro da Abril. Por Paulo Nogueira

Atualizado em 25 de novembro de 2015 às 7:25
Moro no evento
Moro no evento

 

O juiz Moro conseguiu dizer no encontro das editoras de revistas que a mídia não é enviesada.

É uma das frases mais tolas do ano. Compete com uma de Eduardo Cunha, aquela segundo a qual ele é apenas usufrututário das contas em seu nome na Suíça.

Bem, quanto a Moro, faltou apenas um complemento: dizer que a imprensa é tão isenta quanto ele.

Pausa para rir.

Foi a sentença ideal para um evento cômico. Vi muita coisa em minha carreira, mas jamais tinha visto isso: o mestre de cerimônias simplesmente não apareceu.

Era Giancarlo Civita, herdeiro de Roberto e presidente da Abril.

Gianca deu um cano de última hora e, como sempre na história da Abril, coube a Thomaz Souto Corrêa cobrir o buraco.

“Não sou o Gianca”, disse ele ao abrir a reunião. “Ele não pode vir.”

O que seria tão importante assim para Gianca deixar de comparecer a um encontro em que Moro era a atração especial?

E ainda assim não foi exatamente uma surpresa para os que o conhecem. Gianca não gostava da Abril quando ela era uma potência. Imagine agora quando ela se desfaz.

Thomaz fez, na abertura, aquele pronunciamento prêt-à-porter. Falou em nome da imprensa livre.

Livre do quê? Das mamatas governamentais, como a publicidade multilionária, os financiamentos a juros maternais dos bancos oficiais, a isenção de impostos no chamado papel imune?

Não. É uma imprensa que não é livre de nada disso. Sem falar na reserva de mercado que sempre a protegeu como uma babá.

Portanto, é uma imprensa dependente. Os jornais americanos e britânicos operaram essencialmente com subsídios até cerca de 1830.

Depois, entraram na fase capitalista. Foi quando surgiram gênios como Hearst e Pulitzer.

Nossas empresas de mídia vivem, quase 200 anos depois, no estágio pré-capitalista.

É simplesmente ridícula essa ladainha da imprensa livre. Quem acredita nisso, para usar a imortal máxima de Wellington, acredita em tudo.

A audiência do encontro foi a merecida. Parecia um jogo do São Paulo: imensos vazios. Sequer os funcionários das editoras Abril e Globo compareceram para simular sucesso de público.

Talvez a turma da Abril esteja meio ressabiada com este tipo de convocação. Na última vez, os abrilianos foram convidados a abraçar o prédio da Abril em homenagem a Roberto Civita, logo depois de sua morte.

Quase todos os participantes do abraçaço patronal foram mandados embora.

Ao aceitar participar do evento, Moro mostrou que não recusa nada quando se trata de holofotes da mídia amiga. Ele foi escalado para falar do papel da imprensa investigativa em casos como a Lava Jato.

Que conhecimento Moro tem para falar de imprensa? Zero. Mas isso não o deteve. Poderia ter dito, num rompante de sinceridade: o papel é publicar vazamentos sob medida que nós passamos. Aqueles que sabemos que vão agradar os Civitas, os Marinhos, os Frias. E que portanto vão dar manchetes.

Moro preferiu o caminho óbvio. Elogiou a falta de enviesamento da imprensa. Claro que aproveitou para criticar o direito de resposta, o que lhe valeu matérias na mídia. E também não deixou de massacrar a auto-estima do brasileiro ao dizer que somos um país em que a corrupção é endêmica. Ora, senhor juiz, endêmica é a desigualdade. Mas isso o senhor jamais dirá, até porque sumirá de jornais e revistas.

Repito: só faltou ele dizer que jornais e revistas são tão isentos quanto ele próprio e sua interminável Lava Jato.