Sob ameaça constante de um ataque, a vida segue normal na Coreia do Sul. Ou quase. Por Carlos Fernandes

Atualizado em 7 de setembro de 2017 às 10:21
Lee Yun-Jae, dono de restaurante em Seul

 

Fazer fronteira com um país dominado por um ditador cuja obsessão do momento é disparar mísseis termonucleares na maior potência econômica e militar do mundo não é fácil.

A Coreia do Sul tenta, na medida em que isso é possível, manter a rotina de uma nação que reencontrou a paz através do armistício acordado entre as duas coreias em 1953.

Desde então, ainda que teoricamente em guerra uma vez que nenhum acordo de paz foi formalmente assinado, o povo sul-coreano segue seu destino onde a tradição e o progresso caminham de mãos dadas.

Refeito das primeiras impressões de uma cidade realmente fascinante, fui tentar entender como se sentem os cidadãos de Seul frente a uma ameaça real de um conflito internacional com o seu irmão do norte.

Capital e maior cidade do país, Seul é um lugar de povo acolhedor. Não demorou muito para que pudesse travar uma conversa amistosa com Lee Yun-Jae.

Dono de um restaurante na região de Jongno-gu, bairro pujante e com vários pontos turísticos, Lee vê com preocupação o que está acontecendo ao norte.

Até então cético da possibilidade de guerra, desde a notícia de que Kim Jung-un realizou um teste bem-sucedido com uma bomba de hidrogênio, o empresário reconhece que a tensão aumentou muito nos países envolvidos.

Na forma de falar e na expressão de seu rosto, fica claro uma espécie de ressentimento causado por uma guerra que não foi sua, nem de sua época, mas que deixou cicatrizes até nos mais jovens.

Perguntei se ele considerava a Coreia do Sul preparada militarmente para uma eventual guerra, Lee me disse que tem absoluta certeza disso, apesar de também reconhecer que a Coreia do Norte evoluiu no seu poder bélico.

Depois de uma meia hora de conversa, despedi-me de Lee logo após ele afirmar que possui muita esperança de que os grandes países envolvidos consigam resolver este impasse através da diplomacia.

Consenti com um leve sorriso também de esperança.

Logo na manhã seguinte quis o destino que eu conhecesse o norte-americano James Grant.

Nascido no Texas, mas atualmente residindo no estado do Arizona, James morou no Brasil por 18 anos. Funcionário da General Electric, Grant está em Seul a trabalho.

Sorridente e de conversa fácil, não se esquivou quando perguntei o que achava sobre o seu país está em vias de iniciar mais uma guerra internacional.

James Grant

Num excelente português, James resumiu o seu sentimento sobre o assunto numa única frase: “tudo isto está acontecendo porque o nosso presidente (Donald Trump) é um imbecil”.

Se servir de consolo, o nosso também é, James.

Ainda para o meu interlocutor, o mercado da guerra tem muito a ver com toda essa história. Para ele, o discurso de guerra faz vender mais armas.

Isso ninguém pode negar.

Vendo as pessoas passarem nas ruas, comentamos que reina uma aparente normalidade do dia a dia dos sul-coreanos. Nesse momento foi ele que me chamou a atenção para o que está acontecendo na embaixada dos Estados Unidos em Seul.

Por dever jornalístico, fui lá conferir.

Localizado praticamente ao lado do Palácio Gyeongbokgung (um dos mais bonitos e visitados da cidade) o prédio de sete andares cuja área total ocupa a metade inteira de um quarteirão mais parece um bunker em estado de alerta.

Sob um impressionante esquema de segurança toda a área da embaixada está cercada por policiais da própria Polícia Militar da Coreia do Sul que montam guarda diuturnamente a uma distância de dois metros um do outro.

Não pude deixar de reparar que nenhum outro prédio do governo sul-coreano (incluindo a residência oficial do presidente) conta com tamanho aparato de segurança.

Até agora não vi nada em Seul que fizesse nos lembrar mais do atual momento que estamos passando. Na correria de uma megalópole com mais de 10 milhões de habitantes, a bandeira dos Estados Unidos (sempre ele) tremula insistentemente fazendo lembrar que paira no céu daqui a nuvem cinza da guerra.

Fora tudo isso, os dias seguem na Coreia do Sul.

A embaixada dos EUA na capital sul coreana