Trabalhar tanto quanto Antônio Ermírio de Moraes faz sentido?

Atualizado em 26 de agosto de 2014 às 8:19

 

Antônio Ermírio
Antônio Ermírio

Antônio Ermírio de Moraes tinha uma obsessão pelo trabalho.

Criticava constantemente o que julgava ser o número excessivo de feriados no Brasil.

Trabalhava todos os dias.

Quase no fim da vida, fez uma conta. Todos os finais de semana e feriados que ele trabalhara somavam 14 anos. “Não é uma lamentação, é uma constatação”, avisou.

Dizia que seu sonho era morrer trabalhando, mas isso não foi possível. Uma combinação de doenças – Alzheimer a principal delas – o afastou do escritório alguns anos antes da morte, aos 86.

Valeu a pena trabalhar tanto?

Quantas horas, dias, anos talvez, ele deixou de aproveitar, por exemplo, a companhia dos dois dos nove filhos que perdeu?

Penso na sabedoria ancestral grega, e lembro uma frase de Demócrito. “Ocupe-se de pouco para ser feliz.”

As pessoas mais atormentadas que vi em minha carreira eram exatamente as que mais trabalhavam e menos tinham vida pessoal.

Boa parte delas morreu cedo.

O culto ao trabalho não é exatamente novo. Na Revolução Industrial inglesa, esse culto teve a intenção de legitimar as intermináveis horas que os trabalhadores passavam nas empresas que os empregavam.

Contra isso se insurgiu Paul Lafargue, um esquerdista que só podia ser francês – o povo que melhor estabelece limites ao trabalho. (O francês evita até ter amizades pessoais com gente da empresa para não correr o risco de conversar sobre trabalho fora do escritório.)

Lafargue publicou, em 1880, um clássico do combate à apologia do trabalho, O Direito à Preguiça.

Selecionei dez frases:

1) “Sejamos preguiçosos em tudo, exceto em amar e em beber, exceto em sermos preguiçosos.”

2)”O trabalho é a causa de toda a degenerescência intelectual, de toda a deformação orgânica. Comparem o puro-sangue das cavalariças de Rothschild, servido por uma criadagem de bímanos, com a pesada besta das quintas normandas que lavra a terra, carrega o estrume, que põe no celeiro a colheita dos cereais.”

3) ”Os filósofos da antigüidade ensinavam o desprezo pelo trabalho, essa degradação do homem livre; os poetas cantavam a preguiça, esse presente dos Deuses.”

4) ”Jeová, o deus barbudo e rebarbativo, deu aos seus adoradores o exemplo supremo da preguiça ideal; depois de seis dias de trabalho, repousou para a eternidade.”

5) ”O provérbio espanhol diz: Descansar es salud (Descansar é saúde).”

6) “A nossa época é, dizem, o século do trabalho; de fato, é o século da dor, da miséria e da corrupção.”

7) “Introduzam o trabalho de fábrica, e adeus alegria, saúde, liberdade; adeus a tudo o que fez a vida bela e digna de ser vivida.”

8  )”Que se proclamem os Direitos da Preguiça, milhares de vezes mais nobres e sagrados do que os tísicos Direitos do Homem; que as pessoas se obrigue a trabalhar apenas três horas por dia, a mandriar e a andar no regabofe o resto do dia e da noite”

9) “O  trabalho desenfreado é o mais terrível flagelo que já  atacou a humanidade.”

10) “A paixão cega, perversa e homicida do trabalho transforma a máquina libertadora em instrumento de sujeição dos homens livres: a sua produtividade empobrece-os.”

Lafargue não teria a aprovação de Antônio Ermírio, naturalmente.

E é certo que, como provocador que era, ele pode ter exagerado aqui e ali.

Mas entre suas ideias e as de Antônio Ermírio fico, convictamente, com as dele.

Trabalhar demais – atenção: eu disse demais — é bom apenas para a empresa para a qual você trabalha.

Para você mesmo, é um tormento.