“Sois rei”: como Roberto Carlos deixou vendidos os colegas do ‘Procure Saber’

Atualizado em 17 de outubro de 2014 às 17:26
Chico, Sérgio Ricardo, Gil, Roberto, Caetano
Chico, Sérgio Ricardo, Gil, Roberto, Caetano

 

Roberto Carlos deu um chapéu em sua turma do Procure Saber. No início de outubro, Caetano Veloso, o mais vocal do grupo de artistas, havia escrito em sua coluna no Globo que “a atitude de Roberto foi útil para nos trazer até aqui”. Deixava clara a ascendência de RC sobre os demais.

Todos eles se manifestaram sobre as biografias. Faltava justamente ele. Até que Roberto apareceu no “Fantástico” falando, surpresa, que era a favor das biografias não-autorizadas — desde que houvesse “ajustes” e “conversas”. O PS rachou.  No artigo de hoje, Caetano diz o seguinte: “E RC só apareceu agora, quando da mudança de tom. Apanhamos muito da mídia e das redes, ele vem de Rei. É o normal da nossa vida”.

Roberto ainda gravou um vídeo com Erasmo e Gilberto Gil, afirmando que tem o dever de buscar seus direitos. Mas: “Sem censura prévia. Sem a necessidade de que se autorize por escrito quem quer falar de quem quer que seja.” Paula Lavigne foi afastada do papel de porta-voz e o advogado de Roberto, Kakay, assumiu o comando.

Roberto é autor do mito fundador do Procure Saber. Sua proibição à biografia escrita por Paulo César de Araújo em 2007 é um clássico. É ele a grande referência. Agora, o que todas as idas e vindas do Procure Saber revelaram, entre outras coisas, é que nunca se ouviu falar de entidade tão desencontrada. Além disso, ficou patente, indiscutível, o poder de Roberto sobre seus colegas de geração.

O que talvez pudesse ser visto como algo questionável — seu controle doentio sobre sua imagem, a falta de transparência nas entrevistas e declarações, a paranóia — era um modelo. Uma coisa é se espelhar numa carreira de sucesso e procurar aprender com isso. Outra é seguir alguém como se ele fosse um rei, inquestionável e infalível como Bruce Lee. E quando o rei muda de opinião?

Em homenagem ao Procure Saber, eis um papo entre RC, Chico e Geraldo André em 1966, publicado na revista Manchete. Está no livro “Roberto Carlos Em Detalhes” (que você pode baixar aqui).

Assim que chegou ao encontro, Roberto Carlos foi logo afirmando que o negócio dele não era falar e sim cantar, mas se dispôs a responder a todas as perguntas dos dois colegas. Chico Buarque abriu a conversa perguntando a Roberto Carlos se ele ia mesmo escolher umrepertório de música brasileira para gravar. “Bem, eu preciso pensar muito antes de fazer um repertório nacional”, respondeu o cantor. “Por que pensar muito?”, retrucou Vandré, fiel à sua ideia de que quem sabe faz a hora, não espera acontecer. “Sabe o que é?”, ponderou Roberto Carlos. “Acho que preciso ter muito cuidado, por já estar num género e de repente começar em outro. Não sei se teria de começar tudo de novo ou pegar a coisa pela metade. Seria assim um…” Antes de ele achar a palavra, Chico Buarque completou: “Um jogo?”. “É. Um jogo”, confirmou Roberto. “E você não gosta de jogar?”, perguntou Chico. “Gosto”, respondeu Roberto. 

Vandré, Roberto e Chico
Vandré, Roberto e Chico na ‘Manchete’

“Então, por que não entra no nosso jogo?”, provocou Vandré. “Estou na dúvida”, confessou o cantor. “Você não acha que o grande prestígio que tem, sua grande popularidade, colocado a serviço da música popular brasileira, traria um grande benefício para ela?”, insistiu Vandré. “Me alegra muito ouvir isso, principalmente partindo de você, Vandré. Mas fazer música, para mim, embora viva disso, não é um negócio. A música é a música. Ela não deve ser feita para servir a outros interesses. Ao menos a minha, eu só faço quando tenho vontade e do jeito que tenho vontade.”

Aqui Roberto Carlos procurou marcar uma grande diferença de visão a respeito da música popular. Mas Vandré não aceitou a ideia de música pela música e questionou se Roberto não estaria ganhando dinheiro demais com a profissão. “Não posso me queixar. Mas não componho para faturar. Se faturo, é outro problema”, respondeu o cantor. “De qualquer forma, deve ser bom faturar como você”, provocou Chico Buarque. Roberto não se intimidou e partiu para o ataque lembrando o alto valor de cachê que Chico estava cobrando para se apresentar.

“Não é bom faturar, Chico Buarque?”, devolveu Roberto. “Bom, lá isso é. Mas, não é essencial. Ou, ao menos, não é a única coisa importante para quem faz música”, respondeu o autor de A banda. “E você, Vandré, o que diz quanto a faturar?”, insistiu Roberto Carlos. “Com música, recebi pouco até agora”, defendeu-se o autor de Disparada. “Mas seu nível de vida não é dos piores”, questionou Roberto. “Tenho outra profissão. E minha vida não é fácil”, defende-se Vandré. “Que profissão?”, quis saber Roberto. “Fiscal da Sunab”, respondeu Vandré.