“Temer é um vaidoso e o Senado ignora o Brasil”: Requião, candidato à presidência a Casa, fala ao DCM

Atualizado em 31 de janeiro de 2017 às 8:41
Requião
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POR ROBERTO DE MARTIN, jornalista, ator, mineiro de Matias Barbosa e pai da Eva.

 

Na semana em que a Câmara e o Senado elegem seus próximos presidentes, o senador Roberto Requião, do PMDB do Paraná, busca uma aliança suprapartidária.

Ele procurou integrantes da bancada petista para tentar viabilizar uma candidatura ao comando da Casa.

As sondagens ocorrem no momento em que os senadores do PT decidiram não apoiar o atual líder Eunício Oliveira, o favorito ao posto. A eleição acontece na quarta-feira, dia 1º.

Requião falou ao DCM sobre o PMDB, Temer, FHC, a mídia, Dilma e Lula.

O senhor é candidato à presidência do Senado?

O Senado tem várias possíveis candidaturas sem nenhuma proposta. O problema não é quem irá presidir, é a democratização do processo legislativo. Estamos conversando com um grupo de senadores e elaborando uma pauta de propostas suprapartidária. Não podemos piorar a instabilidade.

Uma série de circunstâncias deixam o Senado na mão de meia dúzia de pessoas que conseguem chegar à Presidência de comissões ou à própria mesa do Senado e que dominam o legislativo à revelia da participação ampla, aberta e transparente de todos os outros senadores.

A eleição deve ter como exigência uma composição que garanta a participação das minorias. E nós transformamos isso nas seguintes medidas:

Eliminar a prática de constituição de Comissões Especiais para análise de matérias muitas vezes controversas, com caráter terminativo, à margem de discussão nas comissões regimentais e do pronunciamento do plenário. O presidente escolhe o presidente de uma Comissão Especial, os membros são escolhidos ninguém sabe bem porque e a Comissão é terminativa e acaba, por exemplo, autorizando uma doação de cem bilhões para as telefônicas quando o Senado já estava parado. O presidente Renan tinha interrompido os trabalhos do plenário e de repente se descobre que tinha uma comissão discutindo esse assunto e ela aprova.

Eliminar as decisões por voto de liderança, já que o sistema eletrônico possibilita a votação pessoal (aberta ou secreta). Se você tem um instrumento imediato e instantâneo de votação, por que voto de liderança? Isso facilita que votações sejam feitas sem a presença de quase ninguém no Senado. É um artifício que fralda o debate. E essa história regimental de que só se pode pedir verificação de hora em hora, isso tudo deriva da época em que não existia o sistema eletrônico e as votações demoravam uma semana.

Determinar a indicação de relator dos projetos por sorteio, como acontece no STF, tirando a decisão das mãos do presidente da comissão correspondente. Vamos adotar o mesmo método do Judiciário, um algoritmo computadorizado que vai determinando os relatores.

E outras providências, como encaminhar à Comissão de Assuntos Econômicos discussão para redefinir as relações entre estados e Governo Federal quanto à dívida dos estados, que eu considero nula por uma série de razões, e que é fundamental para a retomada do desenvolvimento brasileiro.

O governo está propondo a criação de um estado mínimo, que é uma tolice que está sendo contestada no mundo, com o Brexit na Inglaterra, a eleição do Donald Trump nos Estados Unidos e a desistência do François Hollande de ser candidato a presidente na França depois de perder dentro das prévias do Partido Socialista, que abraça ideias como a diminuição da carga horária e o aumento do salário, uma visão nacionalista.

É o que queremos rediscutir no Senado.

E sobre a renegociação da dívida dos estados?

Nós avaliamos que a dívida com o governo federal é nula. É preciso anular essa renegociação. Atuar também para aprovar projeto que regulamenta as medidas provisórias. O Senado parece não existir mais. A Câmara manda no último dia do prazo. Isso tem que mudar ou não votaremos mais as MPs.

Além de garantir os espaços das minorias no Senado e mandar rapidamente para o plenário a lei das telefônicas, que aquilo é um absurdo.

São, então, medidas democratizantes para valorizar a participação de cada um.

Também é preciso favorecer o debate para o estabelecimento de um sistema prisional juridicamente funcional e humanamente justo, por meio da discussão da própria legislação atual. Quando fui governador do Paraná, construí doze penitenciárias. Achei por vinte anos que isso resolvia o problema. Cada penitenciária que ficava pronta o Ministério Público e o Judiciário me entupiam com prisões provisórias. Temos que mudar isso e ver o que realmente está acontecendo.

Estamos colocando esses compromissos para considerar o apoio a qualquer chapa. Acho que a proporcionalidade tem de ser garantida.

Além disso, o Cristovam Buarque acha que os partidos podem ter mais de um candidato, como aconteceu na última disputa, quando o PMDB, partido majoritário, lançou dois candidatos. Isso pode ocorrer de novo.

Eunício Oliveira e Roberto Requião?

Não necessariamente. Pode acontecer de novo. Primeiro, temos que garantir a proporcionalidade dos partidos, o respeito às minorias. Se os candidatos aceitarem essa e as outras mudanças, elimina o atual poder exacerbado do presidente, que passa a ter, segundo o regimento interno, a função de comandar e ficar sentado na sua cadeira. Se não aceitarem, lançamos um candidato. Que pode ser eu, por que não?

É preciso que fique claro que a disputa de cargo na Mesa sem uma mudança regimental que democratize é exclusivamente fisiológica e desmoralizante. A impressão que tenho é que o Senado ignora a opinião do Brasil, como se fosse um universo em separado, completamente alienado.

Acha que tem a ver com a chegada do Temer à presidência?

Não. Isso já vem de muito tempo. Claro que com a chegada do Temer ao poder a velocidade de votação aumentou, tivemos também a eliminação de intervalos. Ou seja, um domínio absoluto da base e um desrespeito total das minorias. E a democracia é um regime que procede pela opinião da maioria, mas se define pela liberdade das minorias de terem voz, vez e participação por meio do convencimento. Se você tira a possibilidade de expressão da minoria, você liquidou a democracia.

Como fica sua posição dentro do PMDB, com essa oposição ao atual presidente da República, já que são do mesmo partido?

Eu sou peemedebista. Não sei o que são os outros.

É um partido rachado?

O único partido que eu conheci no mundo que não era rachado era o Partido Nazista, que eliminava a discordância interna.

Em entrevista ao DCM, o deputado federal Paulo Pimenta afirmou que o PMDB sempre atuou pela via do fisiologismo…

Eu poderia dizer, então, que o PT é um partido de ladrão. E eu não digo isso porque não é. O PMDB é um partido definido pelo seu estatuto, um partido nacionalista, popular. Agora, nós temos um desvio de comando. Isso é outra coisa.

Os partidos políticos foram descaracterizados pelo financiamento privado de campanha. O mesmo vale para o PT, para o PMDB, para todos os outros. Respondem aos seus financiadores. O domínio é externo. No Senado temos dois líderes absolutos: Eunício Oliveira e Romero Jucá. Eu, por exemplo, não participo há anos de uma Comissão que decida uma Medida Provisória. Dá a impressão de que só pode concorrer a um cargo na Mesa quem tem uma denúncia da Odebrecht, o que me deixa impedido de participar.

O próprio PT tentou desmobilizar a ida da discussão da doação às telefônicas ao plenário.

Por quê?

Pergunte ao PT. Não a mim. Fizemos um recurso ao plenário e a liderança do PT estava tentando tirar os nomes.

As propostas citadas no início da entrevista para a eleição do Senado fortalecem ou enfraquecem os partidos?

As propostas democratizantes fortalecem a participação dos parlamentares. Os partidos, para fortalecerem têm que evitar financiamento de campanha, realizar a reforma política.

Por que o Jorge Viana não assumiu a presidência quando o STF determinou o afastamento do Renan Calheiros?

Pergunte ao Jorge Viana.

Acredita que a morte do ministro do STF Teori Zavascki foi acidente?

Foi acidente. Tem que ser investigada profundamente. Parece que o piloto arremeteu duas vezes e caiu na terceira. Despertou um pouco a dúvida quando um barqueiro disse que tinha visto uma fumaça branca saindo do avião, mas os relatos da caixa de gravação mostram que não havia nenhuma intranquilidade dentro do avião.

A Lava Jato é um jogo de cena?

Começou em Brasília, causando a alegria de todos os brasileiros, mas depois foi conduzida por interesses do neoliberalismo, estado mínimo e interesses geopolíticos estadunidenses. A Lava-Jato em seu núcleo, e à medida em que a operação é desdobrada, pode atingir todo mundo, o que traz quinze minutos de fama a um juiz do Rio de Janeiro, a outro do DF, que resolve invadir o Congresso Nacional, ou seja, perde-se o controle. Tanto que o que se tenta, atualmente, é um grande acordo.

Quem tenta?

Claramente o governo e o parlamento. A tentativa de descriminalizar o caixa 2, por exemplo.

O projeto do Ministério Público de medidas contra a corrupção também se descaracterizou?

Aquilo é uma imbecilidade. É uma visão corporativista e fascista, porque dá poderes absurdos ao MP, inclusive suprime habeas corpus e o poder do Judiciário. Cria uma prevalência absoluta do Ministério Público, que não responderia a ninguém. E nós contrapusemos a isso o abuso de poder. O que não significa que eu não veja coisas extraordinárias e positivas na Lava-Jato, que não pode parar. A operação tem que se aprofundar. A disputa no Congresso Nacional, com o “’Índio”, o “Atleta”, o “Caju”, o “Angorá” (nomes atribuídos a senadores na lista de delação da Odebrecht).

Todos dominando o Brasil e fazendo reformas que não têm nada a ver com o povo brasileiro, que não foram discutidas com ninguém. Tomaram o poder a revelia da população, sem eleição e querem mudar o Brasil da mesma forma.

Qual o papel do Temer nisso tudo?

O Temer sempre foi um conciliador político. Foi presidente da Câmara duas, três vezes conciliando todos os poderes. Ele não tem nada a ver com o que está fazendo hoje. A história do Temer não é compatível com as medidas que o governo tem tomado. Está atendendo a interesses que o levaram ao governo da República, em troca de poder.

Eu nunca vi o Temer falando em entregar a Petrobras e o petróleo brasileiro. Essas eram as teses do dependentismo do FHC. Então, acho que é a manutenção do poder o que tem movido o Temer e alguns, ideologicamente, com a ideia idiota do estado mínimo, que está sendo derrotada no mundo inteiro.

O Lula também?

Recentemente, o Lula fez um discurso no Sindicato dos Metalúrgicos, me disseram que está transcrito no jornal Valor Econômico, dizendo que a solução é o consumo interno. Consumo interno sem desenvolvimento industrial é entreguismo. Não aproveitamos as circunstâncias maravilhosas de desenvolvimento que o mundo nos ofereceu, o crescimento da China etc.

Isso tem a ver com o lulismo, que melhorou a situação do Brasil, integrou populações ao mercado de trabalho, de consumo, mas não mexeu estruturalmente no desenvolvimento industrial brasileiro, que é fundamental para existir um País soberano.

Se o senador Eunício se comprometesse a aceitar as propostas citadas acima, apoiaria ele?

Não tem “eu” nessas propostas. Estamos conversando com um grupo de senadores. Um grupo suprapartidário. Por exemplo, o Cristovam propõe um compromisso de qualquer presidente do Senado que tiver um processo criminal no STF, renunciar imediatamente com a realização de novas eleições no plenário.

Mas essas propostas têm chances de passar, de serem aceitas?

O problema não é se passa. Nós não votaremos se não passar e, então, lançaremos candidato para marcar nossa posição.

E acha que têm chance de ganhar?

Você está raciocinando com a cabeça dos fisiológicos. Nós estamos muito pouco interessados em cargos na Mesa do Senado e da Câmara. A nossa referência tem que ser o Brasil. A soberania brasileira, a opinião pública, que não aceita mais isso. A negociação aqui, dos caras que dizem “não, nós vamos ficar fora”. Não vão ficar fora de nada, vão ficar fora de alguns empreguinhos, mas vão decepcionar todos que protestaram na frente do Senado, por exemplo, contra a PEC 241. Que vieram do Brasil inteiro com a esperança de que houvesse uma resistência…

Mas passou a proposta, senador.

Passou, mas nós vamos trocar essa gente toda por um emprego? Por um salário de 30 mil reais por mês, ou de 20 mil, que é o salário do comissionado no Senado? Para botar alguns amigos nisso? Tem que haver uma atitude que possa ser apoiada pela população. Tem que ter em vista a opinião do Brasil e uma proposta de soberania nacional.

O resto é fisiologia pura e simples. Passou, mas derrubamos, por exemplo, sem cargo na Mesa, a securitização da dívida que o Serra estava propondo. Foi atuação. Estamos tentando abrir um espaço de atuação política. A referência é a população. Você acha que me elegeram senador para eu arranjar cargo para 13 pessoas na Mesa? Porque eu vou me focar nesse universo e esquecer o Brasil?

A cabeça fisiológica não é o que domina atualmente a política brasileira?

Estamos tentando reverter isso. Dominando por quê? O que me interessa ter cargo na Mesa do Senado? O que vou dizer ao meu eleitor? “Eu troquei as teses que trouxeram para o Senado por cargo de quatro amigos”. Não tem cabimento isso. Estamos exigindo a participação proporcional dos grupos políticos.

O senador Cristovam faz parte desse grupo?

Ele colocou duas opiniões semelhantes à nossa. A rejeição ao presidente que tiver processo aceito no STF e a possibilidade de mais de um candidato de um mesmo partido.

Já tem os nomes do grupo que apóia essas propostas?

Se eu falar em nomes, “queimo” o que estamos fazendo.

Quando fala em opinião pública se refere à Globo?

Não. A Globo defende o liberalismo econômico e o estado mínimo. Há uma revolta no Brasil contra o desemprego, a exploração, o fim da soberania, a entrega da Petrobras etc.

Mas isso não é amortecido pela grande mídia, incluindo a Globo?

É.

E como lutar contra isso?

Fazendo o que estamos fazendo. E não aceitar participar de uma composição fisiológica sem deixar claro o protesto.

Mas como fazer isso chegar ao cidadão que assiste o Jornal Nacional, por exemplo?

Não. Vamos utilizar a mídia alternativa, a internet. Face Live, Live Stream…

Acha que a possível limitação da franquia de internet, que chegou a ser anunciada pelo ministro Kassab, atenderia a que interesses?

Isso é uma loucura. Atenderia aos interesses das telefônicas, que dominam a rede.

Acha que a Globo também tem interesse nesta limitação?

A Globo não se manifestou em relação ao perdão da dívida de 100 bilhões às telefônicas por parte do governo. Será que não estão pensando em ficar com a Oi? Quem vai ficar com a Oi?

Ao invés de combater as teles, se unir a elas?

Claro. Mas nada é ruim por completo. Nem a Globo. O canalha absoluto é uma figura de literatura. Ora, você veja, o Donald Trump derrotou o capital financeiro, que se escondia atrás da falácia da democratização e dos direitos civis transformados em política pública. A Hillary tem o discurso de defesa dos negros, das lésbicas, dos homossexuais, mas transforma isso em política pública e ao mesmo tempo entrega o estado, o poder bélico, os foguetes, os setecentos postos militares para defender o interesse do capital financeiro, dominando países.

Acho que foi um dos erros da política do PT: transformar a política de direitos civis, que são absolutamente necessárias, em políticas públicas e entregar a economia para o Henrique Meirelles e o capital financeiro. Para os bancos ganharem fortunas. “Não, o PT é a favor do direito dos homossexuais, do aborto, e ao mesmo tempo entrega a política econômica, que define o caminho da soberania de um país, para o capital financeiro”. Fica enganando minorias, que se mobilizam muito bem, com a defesa dos seus direitos, que devem ser defendidas, mas que não são as políticas absolutas do estado. Do que adianta estar numa senzala onde você pode transar à vontade, ser transexual, lésbica, mas continuar escravo? O primeiro caminho não é detonar a senzala? “Ah, somos livres”. Livres do quê? “Você pode dar para quem quiser”, mas é escravo, porque o salário é uma merda, não tem aposentadoria, saúde, educação.

Acredita, então, que os governos do PT jogaram com essas minorias?

Não foram os governos do PT. É uma política do capital financeiro no mundo. Enquanto os governos petistas interessavam a esse capital, tudo bem. Depois, levou um “pé na bunda”.

Em que momento foi o “pé na bunda”?

A Dilma cedeu à pressão do capital financeiro quando pôs o Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, no início do segundo mandato. Ela imaginava que com um ajuste fiscal de um ano ela voltava à sua política. Mas aí o capital financeiro resolveu fazer aliança com os seus verdadeiros representantes, que é o PSDB. A Dilma e o Lula, por exemplo, não apoiaram a entrega de Alcântara. Resistiram.

Agora, parece que o Brasil esqueceu que o PT só cresceu com o fracasso absoluto do dependentismo e entreguismo do PSDB no governo FHC. Mas agora o capital financeiro não quer eleição. Puseram o Temer para fazer o que eles sem se preocupar com a democracia. Têm um Judiciário conservador, acham que mudam isso tudo sem reversão depois.

Como avalia as indicações dos governos petistas para o STF?

Eram as indicações feitas pela aliança do PT. Pelos interesses do Márcio Thomaz Bastos. Não foram indicações nacionalistas ou ideológicas.

Mas os governos do PT tinham como indicar nacionalistas ou pessoas alinhadas ideologicamente com o partido?

Claro que tinham. Não indicaram por causa da aliança que o Lula fez.

Pela tal governabilidade?

Não. Pela visão da composição deles. É, o peso da governabilidade também. Eles podiam ter feito uma reindustrialização do Brasil, mas não fizeram. O Lula não dizia “foi com um governante socialista que os bancos tiveram o maior lucro da história”? Fala sério. Eu respeito o Lula. Acho que ele fez o que acreditava que podia fazer, mas faltou uma visão mais elaborada dos fenômenos da globalização, uma antecipação do que está acontecendo na Inglaterra, Estados Unidos, França.

A mídia era estratégica nesse sentido?

Claro. Cederam em tudo. Ao invés de combater, se aliaram e perderam a sua própria perspectiva. O Lula com 82% de popularidade podia tocar a democratização da mídia. Afrouxaram. O Paulo Bernardo defendeu a mídia tradicional.

Por quê?

Cabeça dele. Achava que com isso eles ficavam no poder. O dia que procurei o Lula e disse que eu como governador do Paraná não dava mais dinheiro para a mídia privada, e não dei mesmo, tirei do orçamento, o Lula disse: “ah, Requião, fale com o Zé Dirceu”. Eu falei e o Zé Dirceu me disse: “mas Requião, já temos nossa televisão”. Eu disse: “você tem? Qual é?” Ele disse: “a Globo”. Eles achavam que dominavam tudo. Um erro de avaliação. Era a tal composição.

Ninguém governa um país sem composição, isso é uma verdade, mas não significa entregar tudo. No governo da Dilma, a única oposição que tinha no Senado era a minha. O PT votava junto com o PSDB, em todas as medidas econômicas. Depois, em determinado momento, o Lindbergh começou a se opor. A Gleisi estava na Casa Civil defendendo o governo, aliada com o capital financeiro, e o PSDB representava, também, um braço do capital financeiro.

Veja bem, o PSDB diz que é um partido social-democrata. Do ponto de vista sociológico a social-democracia é a correia de transmissão do movimento sindical. Não é revolucionário. É o braço dos avanços e das conquistas do trabalho contra a exploração do capital. O PSDB nunca foi isso. Quem acabou sendo o social-democrata foi o PT, que foi o braço político do movimento sindical. O Lula foi o líder sindical do povo brasileiro, mas não conseguiu montar um projeto soberano de desenvolvimento nacional.

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Por quê?

Porque não tinha consciência. Falta de visão dentro do processo. O Lula era um líder sindical, o líder sindical do povo brasileiro. Ele conseguia mais meia hora no almoço do trabalhador e fazia uma concessão. Alcançava uma vitória trabalhista, mas cedia para a banca, que teve o maior lucro da história, em todo o mundo, no Brasil. O sindicalismo é isso, luta trabalhista. Não se pode confundir sindicalismo com visão revolucionária. É uma negociação com o capital.

Não estou dizendo que o Lula está errado. É a cabeça dele. Assim como eu não acuso de corrupto, por exemplo, alguns companheiros do PT que assumiram posições que eu contrario. É a cabeça deles. Não precisam estar, necessariamente, vendidos. Estão filosoficamente convencidos.

Quando fizemos o enfrentamento da securitização, o José Pimentel, do PT, dizia: “vocês estão loucos. Política não é assim. É um acerto. Vamos ver se melhoramos esse projeto”. Eu disse: “não. Nós vamos derrubar no plenário”. E derrubamos. Agora, eu não vou chamar o Pimentel de corrupto por isso. É a visão dele sobre a política, do que ele pode fazer. É a visão sindical. Ele está negociando com o capital, e nós queríamos evitar um erro.

Qual a sua opinião sobre a postura de alguns parlamentares que acusam outros partidos de corruptos e se colocam fora disso?

O PT significou uma esperança muito grande de mudança e não correspondeu a isso. E alguns se corromperam pessoalmente. Agora, qual é a diferença do Instituto Lula, do Instituto FHC e do Instituto do Bill Clinton? O endereço. Quem financiou?

O Lula seguiu o modelo?

Seguiu. Mas dentro desse jogo se não seguisse será que teria chegado rapidamente à Presidência da República? Talvez não. Mas talvez consolidasse uma ideia mais demorada, mas mais eficiente para uma mudança.

Acha que o Lula agiu como um novo rico, como afirmam alguns?

Não, não, não. Não é um novo rico. Veja bem, você trouxe a sua caneta ou está usando a minha?

Estou usando a sua.

Se você me levar essa caneta, você terá levado muito mais do meu gabinete do que o Lula teria levado se tivesse ganhado aquele apartamento triplex. Não é nada. Um cara que lidava com um orçamento nacional, na casa dos trilhões. Claro que não devia ter feito, mas ele não é a perfeição, rapaz. Não veio do céu, veio da luta sindical, do nordeste do Brasil. É um sujeito extraordinário. Agora, imaginar que ele não pode calçar uma meia de seda ou desejar morar num lugar um pouco melhor?

Você tem alguma dúvida de que a empreiteira ia dar aquele apartamento para ele? Eu não tenho. Claro que daria. 82% de popularidade, podendo voltar ao governo, a Dilma presidente da República. Por que não dariam, se eles financiam campanhas eleitorais para conseguir a simpatia e os favores dos políticos?

Mas acha que há uma diferença de tratamento, tanto da mídia quanto do Judiciário, entre o Lula e o FHC?

O Lula foi o líder sindical do povo brasileiro e o FHC era ideologicamente um dependentista, entreguista. Por isso a diferença. O Lula não é um entreguista. Estava defendendo interesses populares, mas sem ter uma compreensão estratégica do desenvolvimento nacional. Não fez as reformas necessárias porque a visão dele não era essa. Era um líder sindical e o sindicato não faz reforma. O sindicato avança no direito dos trabalhadores.

Eu, num primeiro momento, achava que o Lula era um intelectual orgânico do povo brasileiro, que é o sujeito que formula ideias, sem ser necessariamente um acadêmico, mas que sofre também o sofrimento do povo.

Mas não era. Ele nunca conseguiu pensar um projeto nacional. Mas foi o maior líder sindical do Brasil.

E não tinha à volta dele quem pudesse pensar um projeto nacional?

Tinha. Algumas coisas avançaram, mas não organicamente. Não fez a reforma da imprensa, não financiou o desenvolvimento industrial nacional, cedeu para os bancos e deu independência ao Banco Central. Colocou o Henrique Meirelles para cuidar dos interesses dos banqueiros. Fez uma aliança.

Ele tinha a mesma visão que o Zé Dirceu, segundo sua fala, em relação à Globo, de que a grande mídia estava com ele?

Não. O Zé Dirceu que tinha. Ele não tinha visão. Não estava preocupado com isso. Ele estava tocando o governo com 82% de popularidade. “Sou o rei da cocada preta”.

E com a crise internacional o que fizeram?

Reagiram de forma desenvolvimentista. Puseram dinheiro no mercado. Caixa, BNDES. E venceram a crise. A China, então, começou a crescer e nós tivemos a oportunidade ímpar de construir um país desenvolvido. Hoje temos um país que não tem nem Exército, Marinha e Aeronáutica.

Tem, atualmente, um nome no Brasil para fazer o que o Lula não fez?

Não é nome, é programa. Tem que definir um. Para isso existem partidos políticos. Sem eles não se faz nada. E o que há no Brasil é uma insatisfação, não é uma revolta ideológica. Insatisfação com o emprego, saúde, com as perspectivas de vida, o País sente isso. Então, se tivermos um partido que raciocine isso, podemos ter uma proposta de soberania nacional, de construção. Mas pode ter também o acidente da direita tomar conta disso. O Trump está aí. Se apropriou da insatisfação popular na mídia.

Por que avalia que o senador Lindbergh Farias passou a contestar as posições do próprio PT, do governo Dilma?

Ele estava muito dentro da estrutura do partido, se conformava um pouco com as atitudes do partido, fidelidade partidária, mas acordou para isso, se libertou antes da crise toda. Fez oposição a muitas medidas da Dilma. E é um baita de um militante partidário. E quem não muda é um conservador. A coerência é o conservadorismo em ação.

Inclusive, o Janot mandou suspender no dia 25 as ações contra o “Lindo”, que eram absurdas. Ele tem uma vida simplória no Rio.

O que acha da proposta de reforma da Previdência enviada pelo governo Temer ao Congresso?

É um crime. Não é reforma. É extinção da Previdência para favorecer a privatização da seguridade. E a Dilma apoiava isso também.

Por quê?

Porque estava entrando na conversa do Joaquim Levy, para a manutenção no poder. A composição com o apoio do capital financeiro, da mídia financiada.

E por que derrubaram a Dilma?

Porque tinha uma inabilidade pessoal de composição. O Lula jamais seria derrubado.

O que ele teria feito de diferente dela?

Conversado.

Com quem?

Com os parlamentares.

Conversado em que sentido?

Conversado no sentido como estou fazendo com você. Ou convidado para um almoço. Ele ia para a China, enchia o avião de parlamentares. A Dilma pegava o avião e viajava sozinha. Eu fiz o primeiro comício de segundo turno da virada da Dilma e não falei com ela nenhum dia depois da eleição, a não ser no impeachment. Ela não estava interessada em falar com ninguém. Ela não conversava com ninguém. Inabilidade de contato pessoal, dificuldade brutal.

O que acha que tem por trás disso?

Características pessoais dela. A Dilma dizia: “eu sou igual a você, Requião”. Só que eu sou igual à Dilma. Penso em algo, coloco na cabeça, toco adiante. Mas eu, como governador, fazia um churrasco de 15 em 15 dias na casa do governo do estado e levava 30, 40 deputados de cada vez. Eu ia assinar um convênio em Washington, levava seis, sete deputados. Da oposição.

Isso é política, senador?

Isso é contato pessoal. É muito difícil você se opor com ódio a uma pessoa que senta com você.

A Dilma avaliava isso como sendo negativo?

Ela não gostava disso. Ela tinha desprezo pelos deputados. Se achava a última Coca-Cola do verão. E era. A Dilma é honesta, rapaz. Agora, por que eu apoiei a Dilma sendo a única oposição ao governo dela? Porque eu sabia o que vinha, com a “Ponte para o Futuro” e as pessoas por trás disso. E sabia que o Temer não sabia nada de economia.

E o Temer foi nessa por quê?

Por vaidade. Acha que ele casou com a Marcela Temer por amor? Uma mulher bonita. Se apaixonou por isso. Quarta mulher dele. Temer é um vaidoso. E eu não acho que seja ruim ser vaidoso, não.

Então, ele não está à frente da elaboração da “Ponte para o Futuro”?

“Ponte para o Futuro” é uma asneira, é o entreguismo do FHC. Eu também nem tenho certeza de quem é o verdadeiro autor daquela merda. É uma merda.

O que acha do discurso de alguns parlamentares do PT sobre a necessidade de uma aliança com os partidos considerados de esquerda?

Estamos propondo uma aliança democrática no Senado. O documento que li para você diz mais ou menos isso.

Como vê a atuação do Moro?

Acho que ele se deslumbrou com o poder e com os elogios que recebe fora do Brasil, nos Estados Unidos.

Acha que ele tem ligação com os EUA?

Não. Deve ter informação, cooptação. Você não precisa ter ligação, nem ser subsidiado para ser usado.

Acha que o Moro persegue o Lula?

Sim. O Lula, o PT. Mas consta no Paraná que ele votou na Dilma.

Acha também que o Joaquim Barbosa se envaideceu?

É muito difícil aceitar a corrupção de um Zé Dirceu. É meu amigo de infância.

Foi corrupto?

Claro. Ele achava que tudo tinha virado uma zona, saiu do governo e dizia: “Requião, eu sou consultor”. Eu falava que ele não era consultor, que estava fazendo advocacia administrativa. Ele achou que não ia fazer revolução nenhuma, que o PT era uma merda. O Lula me disse: “o Zé Dirceu me traiu senão ele seria o candidato à Presidência da República. Agora, Requião, você tem que me ajudar a eleger a Dilma”.

Mas traiu por quê?

Vai perguntar para o Lula, não para mim.

Mas ele não te falou?

E eu disse que não.

Que ele não tinha traído?

Claro. Ele se perdeu. Queria ter um espaço dentro dessa confusão, errou muito. Era o melhor quadro do PT. Ainda é. ninguém substitui. Se não fosse ele o PT não chegava ao poder. Ele é o responsável pela eleição do Lula.

E o José Genoino, é injustiçado?

O Genoino eu defendo publicamente. É um monge.

E as acusações em relação a ele?

Não acredito, não.

E o mensalão?

Foi a continuidade das políticas que já existiam. Eles entraram de cabeça nisso. Mas veja bem, o Brasil teve uma integração de pobres no mercado de consumo absolutamente sensacional.

Quem estivesse no lugar do Zé Dirceu teria feito do mesmo modo?

O PT era era social-democracia, vinha da igreja. Nunca foi um partido socialista. Agora, claro que foi um avanço extraordinário para o Brasil. Criticar o Lula e o PT é imbecilidade. Eu não critico. E estou apoiando o Lula em tudo, nas reuniões, quando ele precisa. Acho ele fantástico. Agora, não endeuso, não sou idiota.

O mensalão, então, existia antes do PT?

Claro. Inclusive, essa história de que os políticos são os corruptos, todos os ladrões eram funcionários de carreira das empresas públicas. Um ou outro não era.

E por que o Roberto Jefferson botou a boca no trombone?

Sei lá. Vai perguntar para ele.