Crowdfunding do DCM revelou ligações suspeitas entre corrupção na DERSA, PSDB e Judiciário. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 23 de junho de 2018 às 20:28
Tavolaro (à direita) com Alckmin

 

Esta reportagem é fruto dos projetos de crowdfunding do DCM. Fique ligado

PUBLICADO ORIGINALMENTE EM 10/03/2017 E REPUBLICADO EM 23/06/2018, A PROPÓSITO DA INVESTIGAÇÃO QUE DESCOBRIU DESVIOS MILIONÁRIOS NA DERSA, DURANTE A GESTÃO DE GERALDO ALCKMIN.

 

No avião que caiu em Paraty, matando o ministro Teori Zavascki e o amigo dele, Carlos Alberto Fernandes Filgueiras, dono da aeronave e do hotel Emiliano, emergiram histórias que reúnem golpe imobiliário, poder político e lobby no Judiciário.

“Conheci o Filgueiras em 2007 quando eu tentava receber uma indenização e fui levado até o hotel Emiliano para discutir com ele uma estratégia para o caso: se tentaríamos um acordo ou iríamos tentar receber na Justiça”, conta o lobista com a condição de anonimato.

A indenização é referente a um terreno utilizado na construção da rodovia dos Imigrantes, que liga a cidade de São Paulo ao litoral.

Em dinheiro de hoje, a área vale R$ 1,5 bilhão. Mas a DERSA, empresa pública responsável pela construção, pagou R$ 190 milhões, e os advogados que representavam o dono do terreno queriam (e querem) mais.

Filgueiras, na lembrança do lobista, parecia o cérebro por trás da operação, embora o terreno fosse registrado em nome de Radi Macruz, cardiologista, hoje com 92 anos, famoso por participar da equipe que fez o primeiro transplante de coração no Brasil.

A Imigrantes começou a ser construída em 1970, mas só em 1985 Radi Macruz entrou na justiça reivindicando a indenização. Dois anos depois, a Justiça em São Bernardo do Campo entendeu que ele tinha razão e mandou a DERSA pagar.

Na decisão da Justiça, não se levou em consideração que Macruz não era dono do terreno quando a estrada foi construída. Ele comprou depois, junto a posseiros de áreas na Serra do Mar.

Uma história enrolada, mas que segue um padrão de negócios de Filgueiras. Áreas adquiridas por ele em Paraty, onde tinha empreendimentos, também tinham sido de posseiros.

O processo vencido pelo cardiologista Macruz ficou parado até 1995, quando começaram os pagamentos, mas aí o valor da ação já tinha se multiplicado, por um cálculo que uma promotora de São Bernardo do Campo entendeu absurdo, mas que havia sido homologado pelo Poder Judiciário.

Quando a ação foi parar no Superior Tribunal de Justiça, o Ministério Público do Estado de São Paulo chamou a atenção para os erros do cálculo, aprovado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, mas o STJ , em 2004, nem considerou a contestação.

Com relatoria da ministra Denise Arruda, o STJ encerrou a discussão com o argumento de que o Ministério Público do Estado de São Paulo não tinha competência para atuar no STJ. Ali, no entendimento da ministra, só o Ministério Público Federal é que poderia demandar.

Além disso, o STJ considerou que se tratava de coisa julgada e não havia mais nada a deliberar. Cumpria à DERSA pagar o valor definido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Na época, Teori Zavascki era ministro do Superior Tribunal de Justiça e ele participou da sessão. O voto de Teori foi a favor da relatora. Ou seja, Teori homologou a indenização milionária paga pela Dersa, alvo de interesse do dono do Hotel Emiliano.

Em outro processo, alguns anos mais tarde, o advogado Carlos Miguel Aidar tentou reverter no STJ uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que havia impedido a penhora do Hotel Emiliano, mas também não conseguiu. O argumento era parecido: coisa julgada, assunto encerrado.

Nesse caso, uma família lutava contra o golpe imobiliário dado por uma das empresas de Filgueiras – a empresa construiu um condomínio no terreno dessa família e não pagou nada por isso, violando contrato.

“É sabido pelos advogados que muitos ministros se hospedam no Hotel Emiliano e o Filgueiras já foi visto almoçando com os ministros nos restaurantes das imediações do hotel”, disse. Teori era um deles.

Hoje, o processo do terreno da Imigrantes em nome de Radi Macruz continua no STJ, para onde voltou depois de subir para o Supremo Tribunal Federal. Em 2012, a ministra Carmen Lúcia teve o processo em suas mãos e negou o pagamento de mais R$ 48 milhões (66 milhões em valores atualizados pelo IGP-M) a Radi Macruz.

Mas, em sua decisão, Carmen Lúcia registrou que os peritos haviam reconhecido um crédito remanescente de R$ 28 milhões (R$ 38 milhões, em valores de hoje).

Teori
Teori

 

O advogado Luiz Gustavo Justini Araújo, que cuida do caso, acredita que receberá pelo menos os 38 milhões. “É uma questão já decidida. A dúvida é o valor”, disse.

O cliente de Justini Araújo, Radi Macruz, está com Mal de Alzheimer, segundo o secretário dele, Rodolfo. Procurado por mim, Rodolfo disse que, para ele, esse assunto já estava encerrado.

Em 2008, Radi Macruz chegou a entrar na Justiça para cobrar de outro advogado, o primeiro a defendê-lo no caso da indenização, prestação de contas. Ele dizia não ter recebido quase nada da indenização.

O advogado relutou em fazer a prestação de contas, mas, cinco anos depois, entregou a planilha de recebimentos: quase 190 milhões de hoje. Se é verdade que Radi não recebeu quase nada, com quem ficou o dinheiro?

“Eu sei que é difícil entender esses valores. Mas o que se discute hoje não é o valor do terreno em 2005, é quando meu cliente deve receber por não ter sido indenizado na época. É apenas uma correção”, disse o advogado que hoje o representa.

Luiz Gustavo Justini Araújo é de São José do Rio Preto e herdou a causa de outro advogado da cidade, Luiz Bottaro Filho, que foi vereador. São José do Rio Preto é a cidade do senador Aloysio Nunes Ferreira, apontado como padrinho político de Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto.

Lembra daquele reunião do lobista com o Filgueiras sobre a indenização na DERSA?

Pois é. Antes dessa reunião, ocorrida em 2007, o lobista esteve na DERSA, para tentar receber, amigavelmente, R$ 28 milhões remanescentes da indenização (46 milhões, em valores de hoje).

Segundo ele, a reunião foi marcada por um assessor de Aloysio, que ele conhecia de suas operações de lobby em projetos habitacionais.

O assessor de Aloysio indicou Paulo Preto, na época diretor de engenharia da DERSA.

Paulo Preto teria se interessado pelo caso e, segundo o lobista, chamou para participar do encontro Luiz Antônio Tavolaro, que tinha sido diretor jurídico da DERSA quando foi paga a maior parte da indenização, nos governos de Mário Covas e Geraldo Alckmin.

Mundo pequeno: depois da DERSA, Tavolaro tentou ser nomeado desembargador em São Paulo, por indicação da OAB, e dizia ser apadrinho por Aloysio.

O Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou a indicação e Tavolaro acabou nomeado secretário dos negócios jurídicos em São José do Rio Preto, a cidade de Aloysio.

Tavolaro só caiu em desgraça quando foi denunciado pelo Ministério Público no Rio Grande do Norte por corrupção, como lobista de um grupo que queria implantar a inspeção veicular em Natal, a capital do Estado.

Mesmo depois do escândalo, Tavolaro continua com prestígio. No primeiro dia útil de 2017, ele levou o presidente do Conselho Regional de Engenharia, um dos seus assessorados, para uma audiência no Palácio dos Bandeirantes com o governador Geraldo Alckmin.

Tavolaro, o advogado da DERSA que teria discutido com Filgueiras como agir no caso de uma indenização que prejudicaria a empresa pública de São Paulo, é um homem conhecido pela habilidade de pavimentar relacionamentos.

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PS: Um promotor de São Paulo já ouviu esse relato do lobista entrevistado por mim, mas, até agora, não formalizou o depoimento.

Paulo Preto vazou na imprensa a informação de que estaria disposto a revelar, em delação premiada, o esquema de corrupção na DERSA. O caso do terreno do médico Radi Macruz seria um tema interessante.

Filgueiras
Filgueiras

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