“Tinha tudo, agora não tenho nada”, diz vítima de cratera no Metrô de SP

Atualizado em 12 de janeiro de 2017 às 7:58
A cratera nas obras da Estação Pinheiros em 2007
A cratera nas obras da Estação Pinheiros em 2007

Publicado no iG.

 

Sexta-feira, 12 de janeiro de 2007. O corretor de imóveis Antônio Manuel Dias Teixeira, de 63 anos, conta que sua mulher estava no apartamento, que ficava a 50 metros do canteiro de obras da estação Pinheiros – palco do maior acidente do metrô paulistano. “Ela estava no quarto, comendo uma fruta. De repente, ouviu uma gritaria, o prédio começou a tremer, ela entrou em desespero e saiu correndo do apartamento.”

Lá fora, o funcionário público Márcio Alambert havia saído da subprefeitura de Pinheiros e ia buscar a filha de dois anos na creche, quando decidiu pegar uma van, na Rua Capri. Seu pai, Celso Alambert, de 77 anos, só ficaria sabendo dias depois que Márcio estava entre as vítimas fatais do desabamento no túnel de construção da linha 4-amarela do Metrô.

O acidente provocou a morte de sete pessoas, que foram soterradas – as buscas duraram cerca de duas semanas.  Além de Márcio, outras três pessoas foram encontradas em uma van que passava pela rua Capri: o motorista Reinaldo Aparecido Leite; o cobrador Wescley Adriano da Silva e a advogada Valéria Alves Marmit. As outras duas vítimas foram a aposentada Abigail Rossi de Azevedo e o contínuo Cícero Agostinho da Silva, a sétima vítima a ser localizada – apenas 12 dias após o desabamento.

Dez anos após a tragédia, as famílias atingidas tentam lidar com as mudanças e ausências causadas pelo acidente.  Celso Alambert lembra que o luto tomou conta da família e que fazia o possível para se manter são em meio ao caos. “Não tinha o que fazer a respeito, então procurei ocupar a mente com coisas boas para não pirar”, diz em entrevista ao iG.

Celso ainda conta que, para a nora, esposa de Márcio, a solução foi se mudar com a filha para Sorocaba, onde ele a ajudou a comprar uma casa próxima de seus pais. Aliás, a menina retrata a tristeza da família, já que teve de lidar, de repente, com a ausência de seu pai quando tinha apenas dois anos.

Na época do incidente, a fim de explicar a ausência de Márcio à criança, a mãe e o restante dos parentes acharam melhor contar que ele “havia saído para comprar pão”. Porém, com o passar do tempo e a espera do retorno de seu progenitor, a menina começou a cobrar ainda mais por uma resposta e, hoje, aos 12 anos, começa a lidar melhor com a realidade destinada a si, segundo afirma o avô.

Ainda de acordo com Celso, o filho era um pai muito presente e, por isso, a neta chorou bastante de saudades. “Eu lembro que ligava para minha nora ou para a mãe dela para falar alguma coisa e percebia do outro lado que [a filha de Márcio] estava chorando”, recorda.

Ainda hoje, Celso não recebeu indenização pela morte do filho, mas acredita que sua nora tenha recebido, apesar de nunca ter perguntado a quantia.

Danos

Além das vitímas fatais, ao menos 94 imóveis foram impactados pelo desabamento, sendo 58 residenciais. Mais de 271 pessoas foram diretamente afetadas e mais de 60 famílias precisaram ser reassentadas por causa dos danos.

Entre os prédios condenados, estava o do corretor de imóveis Antônio Teixeira. Ele tinha um apartamento de 82 m² e agora mora em um “cubículo” de 30 m², onde paga aluguel de R$ 2 mil por mês, segundo contou ao iG. Depois do acidente, Teixeira diz que sua esposa e os filhos se mudaram. “Não cabe todo mundo aqui. E eu tenho que trabalhar”, explica.

Teixeira afirma que recebeu uma indenização da seguradora do Metrô de cerca de R$ 114 mil, por danos morais e materiais. “Na época, um apartamento igual ao meu valia R$ 250 mil, sem contar que a presença da estação de metrô ao lado iria valorizar ainda mais. Além de perder tudo isso, me deram R$ 94 mil reais [da prefeitura], mas até agora não recebi tudo, está parado na Justiça”, conta ele.

Questionado se já chegou a utilizar o metrô da estação de Pinheiros, Teixeira foi categórico: “Eu nunca peguei, de tanta raiva, não pego essa linha. Quando preciso, eu vou de ônibus, não sei como que é lá e não vou pegar. Só me dá tristeza, eu era uma pessoa feliz, tinha tudo. E, agora, não tenho nada”, lamenta.

Andamento do processo

No ano passado, a Justiça de São Paulo inocentou todos os 14 réus no caso: cinco funcionários da estatal (de médio ou baixo escalão, como gerentes e fiscais) e nove do consórcio construtor ou de empresas terceirizadas (engenheiros, projetistas e um diretor) haviam sido acusados de responsabilidade no acidente.

As obras na Linha 4-Amarela eram de responsabilidade do Consórcio Via Amarela, liderado pela Odebrecht e integrado também por OAS, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez.

Procurado pelo iG, o Ministério Público de São Paulo informou, em nota, que apresentou recurso especial ao STJ por entender que, diante do quadro, era previsível que o desabamento poderia ocorrer.

“Ainda assim, os réus determinaram o prosseguimento das obras, agindo, portanto, com imprudência. Além disso, no dia do acidente, ao perceber o agravamento da situação, foram negligentes, ao não determinar o isolamento da área, o que acabou levando à morte de pessoas que estavam do lado de fora do canteiro de obras”, diz o MP na nota.

Para Celso Alambert, o acidente poderia ter sido evitado caso os responsáveis não tivessem negligenciado os sinais. Quanto ao julgamento, sente que a justiça falhou com as vítimas e que os culpados deveriam ser julgados.

Já Antônio Teixeira afirma que “já sabia” que ninguém seria condenado. “A nossa lei é isso. Triste são as sete pessoas que morreram, que perderam os entes queridos. Receberam indenização, mas isso não é suficiente. E a incompetência dos engenheiros, dos geólogos, ninguém é responsável?”, questiona.