Li ‘Não Somos Racistas’ e eis minha opinião sobre o livro. Por Paulo Nogueira

Atualizado em 4 de julho de 2015 às 1:56

Publicado em novembro passado, e republicado agora por razões óbvias.

Merchandising do livro numa novela da Globo
Merchandising do livro numa novela da Globo

Não existe racismo no Brasil.

É, pelo menos, o título de um livro de Ali Kamel, diretor de jornalismo da Globo.

Nos últimos tempos, sempre que surgiram notícias que escancaram o racismo no Brasil, o livro de Kamel me vinha a cabeça.

Não exatamente o livro, mas a tese, a frase peremptória do título.

Não existe racismo no Brasil.

Vejo uma estatística: sete em cada dez mortos violentas são de negros.

A Anistia Internacional Brasil acaba de lançar uma campanha: “Jovem Negro Vivo”. “É quase um extermínio em massa”, diz o diretor da Anistia. Segundo a Anistia, 25 000 jovens negros são assassinados por ano no Brasil.

Sob indiferença generalizada, o que é pior.

A Anistia nota uma diferença. Nos Estados Unidos, quando a polícia mata um negro em circunstâncias suspeitas, irrompe uma revolta imediatamente.

No Brasil, não.

Quem não se lembra de Claudia, arrastada num carro de polícia? E de tantos outros?

Mas Kamel conseguiu escrever um livro cujo título é Não Somos Racistas.

Fui lê-lo.

Encontrei no Scribd, um site de livros digitais.

Em nenhum momento ele consegue ser convincente em seu ponto. O máximo a que chega é que é socialmente vergonhoso, no Brasil, ser racista. Bem, como se vê pela postagem abaixo, ou pelo número de torcedores do Grêmio que chamaram o goleiro Aranha de macaco, há quem discorde.

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E ainda que fosse “vergonhoso”.

Quando a polícia vai fuzilar você, porque você é negro e está numa favela, você tem alguma chance de escapar se disser a seu carrasco que é uma vergonha o que ele está prestes a fazer?

O livro de Kamel ilumina pouco o tema do racismo. Em compensação, projeta muitas luzes sobre o próprio Kamel.

Já começa nos agradecimentos. Os patrões são entusiasmadamente elogiados. Os três. Por promoverem um “jornalismo plural”.

Não se trata apenas de bajulação. Mas de um aplauso que simplesmente não faz sentido. A não ser que pluralidade, na mente de Kamel, seja Merval, Jabor, Míriam Leitão, Sardenberg, Noblat, Waack, para ficar em alguns.  Sem contar ele próprio, é claro.

É uma pluralidade absolutamente singular: todos pensam igual. Igual aos patrões, naturalmente.

O livro também é revelador na raiva que Kamel tem de Lula, e no amor por FHC.

A FHC são dados todos os créditos por ter feito do Brasil um país maravilhoso, aspas. Lula, em compensação, se limitou a copiar – canhestramente – FHC.

Lula, para Kamel, fez mal tudo aquilo que FHC fez bem.

Há também uma coisa que conta muito sobre Kamel – e a cultura livresca das Organizações Globo. A obsessão por ver seu nome na capa de um livro.

Não Somos Racistas é uma compilação preguiçosa de artigos. Merval fez o mesmo com os textos que escreveu sobre o Mensalão, e terminou na Academia Brasileira de Letras.

Não sei se este é o destino sonhado por Kamel.

Tudo aquilo somado, da negação do racismo se chega a uma outra tese: a de que as cotas para negros são um erro – mais um – de Lula.

Acho, particularmente, uma besteira torrencial, mas enxergo isso sob outro ângulo. Os irmãos Marinhos são contrários às cotas. Logo, Kamel também é – e muito.

Em meus dias de Conselho Editorial da Globo, notei nas reuniões o seguinte: Kamel e Merval, os mais falantes do grupo, como que disputavam para ver quem era mais a favor das ideias da família Marinho.

O livro de Kamel não se sustenta, na teoria que defende, nem no próprio Roberto Marinho. Se não fôssemos racistas, Roberto Marinho não passaria pó de arroz para embranquecer a pele morena, conforme conta Pedro Bial na biografia que escreveu sobre o dono da Globo.