Uma entrevista exclusiva com Patrícia Lélis sobre Feliciano, abuso e chantagem. Por Nathali Macedo

Atualizado em 11 de outubro de 2016 às 22:31
Nathali e Patrícia
Patrícia e Nathalí

Até encontrar pessoalmente Patrícia Lélis, tive receio quanto ao modo como a abordaria. Acreditei que encontraria uma menina fragilizada e na defensiva com a imprensa, considerando principalmente o verdadeiro complô orquestrado pela “grande” mídia para silenciá-la. Eu precisaria ser cuidadosa.

Enganei-me. Apesar do notório desapontamento com a direita e a igreja evangélica, que lhe viraram as costas após o escândalo envolvendo Marco Feliciano, conversei com uma Patrícia tranquila e descontraída. Ela já não se parece em nada com a mulher conservadora que se opunha ao Movimento Feminista e à própria esquerda. Claramente, está em plena desconstrução.

“Na direita, todo mundo odeia todo mundo”, comentou, sem amargura.

Ela escolheu um lugar simples para o nosso encontro. Chegou acompanhada pela mãe e por uma amiga e conversamos um pouco para nos entrosarmos antes de começarmos a gravação da entrevista de fato. Nos bastidores, e antes mesmo de qualquer provocação minha, ela já demonstrava descontentamento com o PSC – partido de Feliciano e ao qual é filiada – e com a classe evangélica. “Sempre que alguém comenta alguma coisa sem noção nas minhas fotos, olho o perfil da pessoa e está lá: evangélico”, disse, rindo despreocupada.

Falamos trivialidades sobre o tempo em Brasília e o curso que temos em comum: direito. “Eu quero que ela seja advogada nem que seja para trabalhar só pra mim!”, falava a mãe, protetora e bem-humorada.

Enfim começamos:

DCM Como está a sua vida atualmente? Mudou muita coisa desde o episódio Feliciano?

Acho que o que mudou é que hoje em dia as pessoas me reconhecem na rua. Algumas vêm falar comigo, perguntar como eu estou, mas boa parte das pessoas ainda pergunta: “Por que você fez isso? Por que você denunciou?”Essa foi a maior mudança que eu tive. Ir a locais públicos e as pessoas saberem quem eu sou.

DCM Essas pessoas te hostilizam?

Não, geralmente elas me tratam bem, mas algumas ainda perguntam o porquê de eu ter denunciado.

DCM Você pode nos contar a sua história com o Feliciano?

Eu conheci o Feliciano na Câmara. Foi uma audiência contra o aborto, ele estava presente na audiência. A gente já se conhecia de vista, por causa do PSC, mas ali foi o primeiro contato que eu realmente tive com ele.

DCM E depois disso, o que aconteceu entre vocês?

A gente mantinha um certo contato por conta do partido. Ele sempre entrava em contato: “Tem reunião do Partido!” E aí veio a UNE, então a gente foi conversando mais e tendo uma proximidade maior. Mas até então era uma relação super amigável, super respeitosa. E aí ele sempre me mandava mensagem, até mesmo nos grupos [do PSC no WhatsApp]. Tinha uma proximidade, mas só por conta do partido.

DCM E então como vocês foram se aproximando até o dia em que você foi à casa dele?

Então, uma coisa que eu vejo hoje e que na época eu não percebia, não sei se por inocência, ou porque quando você está envolvida com as coisas você acaba não percebendo, mas algumas coisas eu vejo hoje que já eram um pouco estranhas. Teve um episódio em que ele estava numa audiência no Plenário e me perguntou onde eu estava. Eu disse que estava trabalhando na Câmara, ele me convidou para tomar um suco e eu disse que não podia, que estava com minha mãe e precisava ir embora, e ele insistiu, disse que queria conhecer minha mãe, que queria me ver. Uma aproximação exagerada, sabe? Alguns detalhes, hoje, eu já vejo como abusivos, e na época eu não via.

DCM Você acha que já existia malícia por parte dele?

Hoje eu vejo que sim, mas no momento eu jamais imaginaria, até mesmo porque ele tem a idade de meu pai, tem uma filha da minha idade. Não passava pela minha cabeça que ele faria aquilo.

DCM E então, como aconteceu essa história do estupro? Você consegue contar?

Estava na época da UNE. Não sei se você vai se lembrar, mas a UNE teve várias etapas, e nós éramos o grupo que queria muito a CPI da UNE, e aí a gente sempre fazia reuniões. Essas reuniões sempre davam problema dentro da Câmara, porque outras pessoas estavam lá, gente que tinha opiniões diferentes, acabava dando confusão. Então ele começou a marcar as reuniões na casa dele, no apartamento funcional dele. Todo mundo ia, super normal. Até que chegou esse dia, ele avisou pra mim que teria uma reunião, eu cheguei e não tinha ninguém para a reunião. Mandei mensagem no grupo: “Galera, tô aqui, cadê vocês?” E então eles disseram que não estavam sabendo de nada.

DCM Então você acha que ele arquitetou uma situação para praticar o abuso?

Hoje eu posso dizer que sim. Porque ele falar que vai ter reunião, e eu chego no local e as pessoas nem estão sabendo? Aí depois ele veio falar que na verdade queria conversar sozinho comigo, que queria me fazer uma proposta. Na hora eu perguntei por que ele não me encontrava na Câmara. Uma coisa que eu falei e me lembro muito bem: “Você é casado. Imagine se alguém do prédio fala pra a sua esposa que eu entrei aqui sem ter ninguém?” Ele respondeu que “a câmara tem ouvidos.”

DCM Como assim? O que as pessoas na Câmara não podiam ouvir?

É que existem muitas pessoas do partido que queriam emprego, e era sobre isso a proposta. Ele disse “eu te chamei pra cá pra a gente ter essa conversa sem ninguém por perto.” Então eu acho que sim, foi arquitetado. Todo mundo sabe que… Enfim, eram relatos que tinham na Câmara, de que o Feliciano tinha muitas amantes…

DCM Havia boatos de que ele era abusivo?

Abusivo eu nunca tinha escutado. Os boatos que eu escutava e que muitas vezes a gente falava: “É intriga da oposição”, é que ele realmente tinha casos com meninas.

DCM Meninas mais jovens?

Meninas mais jovens, sempre meninas mais jovens. Foi o que a gente escutou. Mas eu estava ali do lado dele, trabalhava junto. Quando vinham me falar qualquer coisa do tipo, eu falava: “É mentira! Ele é casado, pai de três filhas, pastor, deputado, homem de Deus… não vai fazer isso.” Mas sempre teve os boatos.

DCM E então, quando você entrou na casa dele e descobriu que não haveria reunião nenhuma, o que aconteceu?

Então, acho que foi a situação mais triste da minha vida porque as pessoas falam disso das piores formas possíveis. Cheguei a ver matérias na internet com o título “deu ou não deu?” Poxa, a gente não tá falando de um caso consensual! A gente tá falando de um crime.

Quando eu entrei ali ele me fez a proposta, disse que me daria um emprego com um salário alto – ele chegou a me oferecer 15, 16 mil – só que em troca eu ficaria sendo amante dele. E aí foi quando eu comecei a confrontá-lo. Falei: “Feliciano, então é verdade tudo que falam de você?”

Eu acho que a diferença é que outras pessoas aceitaram, sabe? E eu denunciei. Ele não admitiu.

DCM Ele chegou a te agredir?

Então, uma coisa que eu tenho certeza é que ele não estava normal. Não sei se estava bêbado ou tinha usado drogas, mas ele não estava normal. Quando eu comecei a confrontá-lo, ele começou a me xingar, gritar… Eu tentei fugir e ele me agrediu com chutes. Eu gritava muito, até que, graças a Deus, uma vizinha bateu na porta pra perguntar se estava tudo bem.

DCM O que ele dizia?

Ele tentava tirar minha roupa, ele quase conseguia. Estava fora de si, falando o tempo todo que era pra eu ser amante dele, que eu ia ter um emprego bom, insistindo na proposta, mesmo. E quando eu negava, ele me xingava, me batia, dizia que eu não ia sair dali, que era pra eu desistir. Ele trancou a porta. Eu só consegui sair, me vestindo de qualquer jeito e pegando as minhas coisas, quando a vizinha bateu na porta e ele teve que abrir. Aí eu saí correndo.

Agora ele diz que eu nunca estive na casa dele. Isso que eu acho engraçado… Engraçado, não, triste, né? Eu me lembro de todos os detalhes da casa dele. É um apartamento funcional, são três quartos, o quarto dele é o último, foi pra lá que ele me arrastou tentando tirar minha roupa. Na sala tem um tapete de pelugem e uma mesinha de centro, eu me lembro de tudo, tudo, todos os detalhes da casa. E essa vizinha ouviu tudo. Não tem cabimento ele dizer que eu estou mentindo.

DCM Como você se sente quando lembra dos detalhes?

Eu acho que hoje eu já estou um pouquinho melhor, mas… Eu não sei se você vai entender, mas é muito desgastante, às vezes. Porque são coisas que marcam muito, e você sempre ficar lembrando de uma coisa que virou todo esse escândalo, todo esse show de horrores… Dói muito, é muito ruim, muito mesmo.

DCM O que você sente pelo Feliciano hoje?

Repulsa. Quando eu vejo ele fazendo aqueles vídeos, falando o nome de Deus… Uma pessoa que fez tudo que fez comigo? Eu tenho nojo!

DCM Você tem medo?

Medo eu já tive mais. Agora que o STF aceitou o caso, eu estou mais tranquila…

DCM Mas você foi perseguida quando resolveu denunciá-lo, não foi? Está sendo até hoje?

Então, recentemente o Biazon [Emerson Biazon, assessor de Feliciano] continua me ameaçando. Eu nem tinha visto, descobriram na perícia. E eu sempre recebia prints de coisas que eles estavam falando de mim na internet. Fora o fato de que várias pessoas da equipe do Feliciano chegaram a ir na minha faculdade, procurar pessoas que me conhecem pra ver se tinham alguma coisa contra mim. Eles são tão baixos, jogam das piores formas possíveis. O que eles não entendem é que isso não muda o fato, nada muda um crime.

DCM Tudo isso com o objetivo de que você se cale?

Tudo isso pra me difamar! Eles querem argumentar que eu sou louca, que estou mentindo. Não adianta eles ficarem procurando as pessoas, o STF já aceitou o caso. Eu não entendo o objetivo. Por que, se tem um crime, eles vão procurar pessoas para falarem contra a vítima? Isso não muda o crime. Lembrando que se o Bauer [Talma Bauer, assessor de Feliciano] me ofereceu dinheiro, é porque tem alguma coisa, né? Eu nunca peguei dinheiro nenhum.

DCM Quanto ele te ofereceu pelo seu silêncio?

Eu não sei te dizer valores, porque quem me ofereceu dinheiro inicialmente foi o Pastor Everaldo. O dinheiro estava numa sacola, então eu não sei te dizer quanto. Depois eu fiquei sabendo que o Arthur Mangabeira, namorado da Luana Bastos, que faz vídeos na internet, pegou cinquenta mil com o Bauer. O trato era que ele me entregasse esse dinheiro e em troca eu faria o vídeo desmentindo a denúncia, mas eu não tava sabendo. Aí o Arthur me ligou um dia e me pediu pra fazer o vídeo, dizendo que se eu fizesse o Bauer não iria mais me procurar. Eu disse que não ia fazer, tanto que eu não fiz.

DCM Você não fez o vídeo?

Não fiz o vídeo quando o Arthur me pediu. Logo depois a Luana Bastos me pediu o vídeo.

DCM Esse nome é novo pra mim. Ela é sua amiga?

Não, ela não é minha amiga. Conheço a Luana da internet. A gente tinha uma convivência normal, a gente se conhecia, mas não era amiga. Eu disse que não ia fazer o vídeo. Nisso apareceu o Emerson [Biazon] na história, foi quando eu fui pra São Paulo e tive que fazer na base da ameaça.

DCM Que tipo de ameaça?

Ameaça de morte, a principal foi essa. Eles diziam “Olha, se você não ficar calada, se você contar isso pra alguém, se você não desmentir isso, a gente vai te matar.” Essa foi a ameaça que eu mais escutei.

DCM De quem, exatamente?

Da equipe dele, do Bauer, do Emerson…

DCM E então você decidiu ir na delegacia, e o que aconteceu lá?

Na delegacia de São Paulo, foi o seguinte: minha mãe ficou sabendo do caso depois do primeiro vídeo que eu coloquei na página, justamente o primeiro que eu gravei sob ameaça. Nesse vídeo naturalmente eu não tô normal – eu sou muito vaidosa, só saio de maquiagem, e no primeiro vídeo nitidamente eu não estou bem, sem maquiagem, no banco de trás de um carro.

Aquele vídeo foi gravado pelo Emerson [Biazon] e pela filha do Bauer, a Cíntia Bauer. E aí quando colocaram o vídeo na internet, na hora as pessoas que me conhecem perceberam que tinha alguma coisa errada. Minha mãe percebeu que eu não estava normal e foi pra São Paulo no dia seguinte.

DCM E o que você foi fazer em São Paulo, inicialmente? O Bauer te levou?

Eu tinha ido a São Paulo porque o Emerson falou pra mim que era diretor da Record de Campinas, e ele me levaria pra lá pra fazer uma entrevista de emprego e tudo mais. Foi por isso que eu fui pra São Paulo. Depois eu descobri que foi o Bauer quem pagou a passagem pra eu ir lá desmentir tudo. E aí eu gravei o vídeo, o primeiro, sob ameaça. O vídeo não deu certo, as pessoas começaram a perceber que tinha algo errado, então eles apagaram o vídeo da internet.

Quando minha mãe chegou em São Paulo, ela viu que estava tudo errado. E aí a gente foi pra a delegacia, com a ajuda de outros dois repórteres, e a gente começou a ver o tamanho do problema. Quando eu cheguei na delegacia, o Emerson já tinha advogada contratada há uma semana!

DCM Então ele estava preparado para fazer o que fosse preciso contra você?

Preparado! A advogada dele me falou que ele tinha contratado ela há uma semana, então assim, já estava tudo esquematizado. Eu cheguei na delegacia eram mais ou menos nove horas da manhã. Fui sair da lá umas quatro horas da madrugada. Entrei como vítima, denunciando o Feliciano, e saí com o delegado [Luiz Roberto Hellmeister] falando que eu era louca, que eu estava mentindo, que eu era uma vadia, que eu não podia fazer aquilo… Então, assim, não dá pra entender.

DCM O Hellmeister chegou a ameaçar você?

Ele já estava com a minha oitiva pronta, queria que eu só assinasse. Ele colocou na imprensa que já tinha pedido a minha prisão, só que isso não é o que aconteceu! Ele fez o inquérito do jeito que ele quis, ele nunca mostrou o inquérito todo pra ninguém. E aí quando ele mandou isso pro juíz, o juíz olhou e viu que não tinha cabimento, nao tinha pé nem cabeça. Ele viu que estavam tentando encriminar a vítima. Então eu nunca fui presa, isso não existiu. Não é o primeiro problema que esse delegado se mete, ele já foi acusado de espancar um travesti! [referindo-se a Veronica Bolina, torturada durante prisão comandada por Hellmeister, em São Paulo.]

DCM Então, quando você decidiu denunciar, quem foram as pessoas que mais te ajudaram?

De longe, toda a minha família e os meus amigos, que me conhecem. Quem me conhece nunca questionou, justamente porque me conhece, sabe que não menti. E depois eu tive uma ajuda de pessoas que eu jamais imaginei que poderiam me ajudar, porque eram pessoas que – eu fico até com vergonha de falar! – eram pessoas que até então eu brigava dentro do Plenário. Mas foram elas que me deram total apoio.

DCM Quem são essas pessoas?

De Vanessa Graziottin, Maria do Rosário, a grupos feministas, a Procuradoras… Porque quando a gente fala de feminismo, acho que é uma coisa que a gente tem que parar de vincular – e olha que eu não sou a pessoa mais especialista no assunto, pelo amor de Deus, jamais – mas pelo pouco que eu conheci, eu acho que as pessoas pensam que feminismo é sinônimo de ódio. Mas não tem nada disso!

DCM Você pensava isso?

Eu pensava isso. Eu pensava: “Toda feminista tem ódio no coração e toda feminista odeia homens”, e, meu Deus, quanta ignorância! Graças a Deus eu pude conhecer o outro lado, e não é nada disso. A gente tem que parar de vincular a palavra feminismo a ódio. Porque foram essas mulheres que me ajudaram, são mulheres extremamente ‘estudadas’. Eu conheci advogadas, promotoras, juízas, senadoras, deputadas, que são feministas. Elas são muito mais ‘estudadas’do que muita mulher que paga de conservadora. Essas mulheres me ajudaram de uma forma incrível!

DCM Hoje você se considera feminista?

Eu acho que toda mulher é feminista, por mais que ela fale que não é, é sim! Eu comecei a abrir mais minha cabeça e hoje eu vejo que o feminismo abrange tanta coisa! Eu acho que ser feminista é querer a igualdade, nada mais.

DCM E você acha que existe essa igualdade?

A gente não pode dizer que existe igualdade. Eu achava que existia, até passar pelo que eu passei, até entrar numa delegacia pra denunciar um crime e reverterem tudo e eu sair de lá como a criminosa. Gente, eu nunca fui capaz de matar uma barata! As pessoas falam que eu fui traidora, é o que eles mais dizem: “Você fez isso com a ajuda da esquerda para destruir um homem de direita!” Gente, eu tenho vinte e dois anos. Será mesmo que eu tenho toda essa capacidade, toda essa inteligência, toda essa malícia pra arquitetar um plano pra destruir uma pessoa? Não tem cabimento.

DCM Você ainda se considera uma mulher conservadora de direita?

Não! Não mesmo. Eu acho que todo extremo é perigoso. Por que que a gente não pode ter um equilíbrio? Eu tinha vergonha, eu pensava que nunca diria na minha vida que sou feminista. Hoje digo isso sem vergonha. Então, assim, de direita, não, mas de esquerda também não. Eu acho que a gente tem que ser do lado da coerência. E quando se fala de crime, eu acho que crime não tem partido político.

DCM Quando o escândalo com o Feliciano aconteceu você ainda frequentava a igreja?

Sim, eu nasci na igreja. Minha família é toda batista. Eu sempre tive uma convivência boa na igreja, mas questionava algumas coisas, porque hoje em dia as pessoas costumam falar mais o nome do pastor do que o nome de Deus, e então a gente tem um problema aí. Atualmente eu não vou na igreja porque não acho que seja um lugar saudável.

DCM Por quê?

Porque eu vi que a maior parte dos evangélicos não são cristãos, não seguem o que está na bíblia. A igreja hoje eu vejo como pessoas que se acham santas demais, mas não são nada disso, muito pelo contrário. Jogam ofensa de graça, sem nem pensar no próximo.

DCM E como a igreja que você frequentava reagiu quando você denunciou o Feliciano? Eles te apoiaram?

Olha, os pastores da igreja que eu ia já estavam sabendo do caso muito antes de vir a tona. Muito antes! Mas eles sempre me pediram pra não denunciar. Diziam: “Olha, isso vai ser um grande escândalo pro meio cristão. Você sabe, ele é pastor, é político.” Então, sempre foi nessa linha. Diziam que não concordavam com o que ele fez, que acreditavam em mim, mas que eu não deveria denunciar porque ia ser um escândalo.

DCM Você levou um certo tempo para denunciar por conta disso?

Foi por conta disso! Eu tinha tanto pessoas do meio político dizendo “não denuncia porque vai ser ruim pra gente”, quanto pessoas da igreja dizendo “não denuncia porque vai ser ruim pra gente”, mas nenhuma dessas pessoas pensavam o que seria ruim pra mim. Era ruim pra a religião, pra a política, mas e eu, Patrícia, uma menina de vinte e dois anos? O que é bom e o que é ruim pra mim? Quando eu denunciei virou um inferno, porque as pessoas que eu convivia na igreja não quiseram mais falar comigo, mas elas tinham plena certeza do caso. Diziam que eu estava envergonhando o nome da igreja. Eu, e não o Pastor que cometeu um abuso! Não tem coerência.

DCM Depois desse episódio, você conseguiu perceber de que maneira as mulheres são tratadas no meio evangélico? O que você conseguiu tirar disso?

Eu acho que esse é um assunto que tem que ser muito debatido, muito mesmo. Tem aquela passagem da bíblia onde acusam uma mulher de prostituição, mas e o homem que estava com ela? Por que ninguém questiona? Trazendo pros dias atuais, eu acho assim: a igreja é responsável sim por deturpar o significado do feminismo. A maior parte das mulheres que são alienadas religiosas são sim comandadas por homens.

DCM Homens como o Feliciano?

Homens como Feliciano, homens como o Pastor da minha igreja que sabia de todo o caso e pediu pra eu não denunciar. A esposa dele sabia do caso e ele pediu que ela, por ser mulher, me convencesse a não denunciar. Usando uma mulher pra me convencer!

DCM A esposa de Feliciano?

Não, a esposa do Pastor da minha igreja. A igreja tem que parar com esse conservadorismo que não leva ninguém a nada. Quantas meninas não são agredidas, estupradas, violentadas (e fez aspas com as mãos) em nome de Deus? São pastores que cometem esses crimes e meninas que são coagidas a não falarem nada.

DCM E o PSC? Como os seus amigos de lá reagiram?

Amigos? (risos) Que amigos? Não tem amigo nessa hora! Uma das pessoas que eu mais fiquei de boca aberta foi Sarah Winter. Ela viveu dentro da minha casa durante uma semana, com o melhor que a gente poderia dar pra ela, saiu de lá agradecendo por tudo, eu deixei minha casa e minha família de portas abertas… E ela sabia do caso. Ela foi uma das primeiras pessoas que eu pedi ajuda, justamente porque ela vive falando que é contra agressão, que tem que denunciar… Quando eu pedi ajuda, ela falou: “Paty, não denuncia ainda. Vamos conversar com mais alguém, vamos falar lá no partido, pra alguém ajudar a gente.”

E depois disso ela simplesmente foi capaz de falar mal de mim na internet, de procurar pessoas que tinham algo contra mim pra me acusarem, junto com a Kelly Bolsonaro e com a Marisa Lobo [a psicóloga cassada por defender a ‘cura gay], uma velha de quase sessenta anos, pra falar mal de uma menina de 22? A Kelly Bolsonaro não tem onde cair morta, recebe Bolsa Família mas critica quem precisa, não tem emprego, e ainda vão na internet dizer que eu não valho nada?

Essa direita cristã que diz tanto que odeia o crime é a mesma que usa o crime pro bem deles próprios. Porque uma pessoa que fala que é contra crime [voltando a falar de Sarah Winter], que sabia do caso, que viu as provas, que viu meu áudio com o Bauer, e depois vai dizer que estou mentindo? Eu não sei quem ainda tem coragem de confiar na Sara Winter.

DCM Mudando de assunto: E o Eduardo Bolsonaro? As pessoas do PSC queriam que você namorasse com ele?

(Risos) Queriam! Porque pra essa direita conservadora uma menina de 22 anos já tem que estar casada com algum pastor, com algum político… O pastor Everaldo dizia que eu tinha que namorar ele, que ele é um menino bom… Mas ele não tem assunto, é uma criança, fica com umas brincadeiras chatas.

DCM Que tipo de brincadeiras?

Ah, de ficar tocando nas mulheres, dando em cima… E tem gente que não gosta, né? Ele dá em cima de todo mundo. Se tiver um poste ele vai dar em cima do poste.

DCM Mas isso não é brincadeira, é assédio, não?

Ah, mas ele faz como uma brincadeira!

DCM Você acha que essas brincadeiras são uma constante na Família Bolsonaro?

Demais. Os filhos são cópias do pai, as mesmas coisas que o pai ‘bosteja’ os filhos ‘bostejam’ também, parecem robozinhos.

[Nesse momento Patrícia começa a rir] Eu estou aqui pensando se ele vai me ligar depois disso perguntando se eu estou louca de falar mal dele, mas é a verdade!

DCM Você me contou que está fazendo um trabalho voluntário para ajudar mulheres vítimas de abuso. Me conta mais sobre isso?

Ah, sim, é a Casa da Mulher. Você sabe que Brasília não tem favela, né? Então a gente procurou esse grupo no bairro mais carentezinho de todos, são mulheres que foram abusadas. A gente faz várias coisas, conversa, faz eventos…

DCM Você sentiu necessidade de ajudar outras mulheres depois do que aconteceu?

Eu não digo necessidade, mas é que eu saí da minha bolha, sabe? Eu sempre tive tudo, carro com dezoito anos, faculdade, falo três línguas, então eu não pensava que existia uma realidade diferente da minha, eu achava que todo mundo tinha aquilo, e não é. Quantas mulheres são abusadas e não podem nem denunciar? Aí eu tô nesse grupo, conhecendo outras mulheres que foram abusadas, elas têm realidades diferentes da minha, é muito bom pra mim como pessoa.

DCM E isso tem te ajudado?

Tem me ajudado demais! Eu tô gostando muito de ir lá. A gente vai fazer um evento semana que vem pra ajudar as mulheres de lá que foram abusadas e engravidaram.

Adendo: Poucas coisas na vida se comparam à sensação de ver uma mulher conservadora se desconstruindo e aprendendo sobre feminismo e sororidade.