Uma visita ao cemitério de Balzac

Atualizado em 9 de agosto de 2013 às 13:35

Uma tarde no Père-Lachaise.
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De Paris

O problema do Père-Lachaise são os mortos plebeus.

Este pensamento esquisito se colou em minha mente numa ida ao mais célebre cemitério de Paris. Ali estão enterradas celebridades como Balzac, Proust e Piaf.

Não é um cemitério bonito. É feio, em sua morbidez de concreto que remete ao Cemitério da Consolação. Se não bastasse, os mausoléus estão malcuidados. E há tantos pequenos insetos no ar que você fica com medo de engoli-los.

O Père-Lachaise, no leste de Paris, parece ter mais que seus 200 e poucos anos de existência.

É a segunda visita que faço a um cemitério em minha temporada européia. Fui a Highgate Hill, em Londres, ver Marx. O túmulo, quero dizer. Gostei de ler as mensagens de agradecimentos em papeizinhos que as pessoas ainda hoje deixam para Marx.

As idéias de Marx forçaram o capitalismo a ser mais humano. Não fosse ele, ainda trabalharíamos hoje de segunda a segunda, e desde crianças até a morte.

O conceito de Estado de Bem Estar Social, rascunhado por Bismarck na Alemanha da segunda metade do século XIX e em que surgem inovações como pensões de aposentadoria, foi em grande parte uma resposta capitalista aos movimentos reivindicatórios sociais brotados do marxismo.

Marx escrevera, em seu clássico Manifesto Comunista de 1848, que os trabalhadores nada tinham a perder “senão os grilhões”. Com o Estado de Bem Estar Social, eles passaram a ter muito mais a perder.

Consequentemente, o ímpeto dos protestos sociais foi perdendo a virulência revolucionária.

No Père-Lachaise, queria ver especificamente o túmulo de Balzac. Me aproximar, de alguma forma, do maior romancista de todos. Oscar Wilde disse que o maior drama de sua vida foi a morte de Luciano de Rubemprè, personagem de As Ilusões Perdidas, de Balzac.

Dá para ter uma idéia da grandeza de Balzac pela frase de Wilde.

Não consegui chegar até Balzac.

Eram muitos mortos, e a sinalização do Père-Lachaise está longe de ser amigável.  Fora isso, já estava perto do horário de fechar. Não havia tempo para longas procuras, já que a preguiça dos franceses significa portas cerradas sem um minuto de atraso. A homenagem a Balzac ficou na intenção.

Lamento.

Balzac é fundamental. Todo estudante de jornalismo deveria ler As Ilusões Perdidas. Exatamente para perder as ilusões.

Balzac desmistifica gloriosamente o jornalismo e os jornalistas. Um poeta puro diz a Luciano: “Você é ambicioso, cínico, inescrupuloso. Tem todos os atributos para se dar bem no jornalismo.”

Balzac detestava os críticos, particularmente Sainte Beuve, o mais prestigiado daqueles dias na França. Ele batia em Balzac com constância e força. Dizia que Balzac não sabia escrever. “Um crítico sempre deve escrever três críticas”, diz um trecho de As Ilusões Perdidas. “Uma que elogia, uma que critica e outra intermediária. Depois é só escolher a mais favorável às suas conveniências.”

Em outra passagem, Balzac fala de coisas raras, como “um jornalista puro” ou “uma fortuna financeira nascida de forma honesta”.

Na próxima viagem a Paris voltarei ao cemitério mais preparado. Talvez cantarole La Vie en Rose no túmulo de Piaf porque minha mãe cantava essa música inteirinha para mim. Isso se não ficar embargado como um adolescente, uma possibilidade enorme se tratando de mim. Com certeza vou dizer, silenciosamente, obrigado a Balzac.

Merci. Merci beaucoup.

O mundo seria muito mais áspero sem ele, morto  — suprema ironia num francês, povo folgado por excelência — de tanto trabalhar em sua pirâmide literária, A Comédia Humana.

Tinha 51 anos de idade.