Vácuo político e ênfase na violência impulsionam Bolsonaro

Atualizado em 29 de julho de 2017 às 9:48

 

 

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Este texto foi originalmente publicado no site Jornal do País:

Potencial candidato à Presidência da República em 2018, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC), assumidamente conservador, busca novas parcelas do eleitorado, que cresce nas pesquisas de intenção de voto. Especialistas apontam como causa dessa ascensão – ele aparece em segundo lugar nos levantamentos, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – o vácuo político e o fortalecimento da pauta sobre segurança pública, um dos temas principais abordados pelo candidato.

“Essa ascensão vem do desgaste de lideranças políticas tradicionais. O PT passou por um processo de desgaste grande, assim como o PSDB e o atual governo [PMDB]. Essa situação acaba resultado na busca de uma alternativa”, analisou o cientista político Cristiano Noronha.

“Bolsonaro cria a ilusão de que está havendo uma renovação na política, porque ele está associado a um campo tido como não-político, que é a força militar. E assim ele reproduz a fantasia de que a gente precisa de alguém que resolva as coisas, um super-herói que está ligado à força do exército”, acrescentou a cientista política Clarisse Gurgel da Unirio, completando: “Mas ele é o que representa de mais velho na história do Brasil”.

Conhecido por declarações polêmicas, Bolsonaro, que já se banhou no Rio Jordão, em Israel, critica discussões sobre questões de gênero, sexualidade e direitos humanos e reverbera na internet, principalmente em sua página oficial com mais de 4,4 milhões de seguidores. Ele já deixou claro que “preferiria ter um filho morto do que um homossexual” e que a comunidade LGBT está tentando assumir a sociedade. Além disso, o deputado é alvo de uma ação civil do Ministério Público Federal no Rio, por danos morais coletivos às comunidades quilombolas e à população negra; e no Supremo Tribunal Federal, por incitação ao crime de estupro. Sua primeira base eleitoral, os militares evocam um tempo na história do Brasil que, para Clarisse, ainda tem uma memória distorcida para grande parte da população.

“Não queremos ditadura não. Nós queremos é liberdade, como tinha no período militar. De 1964 a 1985 você tinha liberdade, segurança e respeito”, defendeu o deputado em agenda de campanha presidencial no interior da Paraíba em fevereiro desse ano.

“Bolsonaro é a expressão de um país sem memória, e isso impede o povo de enxergar o presente. A ditadura militar é vista por muitos como se fosse uma grande solução, porque ela resolve sem diálogo, na base da força. Aliás, ela não resolve. As pessoas só acreditam que resolve”, afirmou Clarisse, finalizando: “Junto com o autoritarismo que esses sujeitos carregam, vêm também derrotas no campo moral e econômico-social”.

Propostas

O deputado federal, que tem 26 anos no Congresso Nacional, só tem, entre 171 projetos de lei, de lei complementar, de decreto de legislativo e propostas de emenda à Constituição (PECs), duas aprovações. Viraram lei uma proposta que estendia o benefício de isenção do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) para bens de informática, e outro que autorizava o uso da chamada “pílula do câncer” – a fosfoetanolamina sintética.

Quando chegou a Brasília, no início da década de 1990, seu foco era atender aos interesses de militares. Nos últimos anos, porém, ele ampliou para a área de segurança pública, que tem forte apelo no país. Bolsonaro, que é capitão da reserva do Exército, foi o deputado mais votado do estado do Rio de Janeiro nas eleições gerais de 2014.

No primeiro mandato, entre 1991 e 1995, foram 17 projetos de interesse de militares, ante dois na área de segurança pública. Entre 2011 e 2015, na legislatura passada, o deputado apresentou 13 propostas na área de segurança, ante duas militares. Na atual, iniciada em 2015, são nove propostas para a segurança e três para o setor militar. Nenhuma, porém, foi aprovada.

Em economia foram apenas três projetos, e dez na área de saúde – como o que determina a proibição do aborto em casos de estupro. A única proposta para educação, apresentada no primeiro mandato, tinha o objetivo de conceder desconto progressivo em taxas e mensalidades escolares para famílias de militares com mais de um filho.

“O crescimento vem muito em cima da prioridade no debate sobre segurança pública, que é a única coisa que ele sabe falar, e fala de segurança militarizada”, disse o delegado no Rio de Janeiro e doutor em Ciência Política pela UFF, Orlando Zaccone.

Também professora de segurança pública da UFF, e pós-doutora em Estudos Estratégicos e de Segurança Jacqueline Muniz acredita que a ascensão do Bolsonaro tem a ver com uma demanda autoritária por ordem.

“Quanto maior a fabricação de medos e de ameaças, mais cada cidadão vai abandonando seus direitos fundamentais em favor de um salvador. E esse salvador vai fazer um discurso messiânico, totalmente descomprometido da política pública, vendendo sucessos que nunca acontecerão, como por exemplo, o fim do pecado da humanidade”, acrescentou Jacqueline.

Para a professora, o deputado está “pouco se importando” com a vida dos policiais. “Se importasse, ele não venderia uma linguagem falsa de guerra. O Rio vive conflitos, porém algo muito diferente de uma guerra. Isso é uma cortina de fumaça para ocultar práticas violentas e corruptas, que começam de cima, dentro das estruturas do estado”, disse.

Zaccone faz coro à professora e acrescenta: “Hoje, caímos na falácia de dizer que a polícia do Rio é a que mais mata e mais morre. O que leva à ideia de que existe um confronto armado, e que policiais estão morrendo nesse confronto. Quando reforçamos o discurso de que há guerra em um ambiente social, damos munição para bolsonaros”, disse, completando: “A verdade é que a polícia mata num contexto e morre em outro. A maior parte dos policiais morre quando está de folga, mas armado, e reage a um assalto ou a um ato de violência. A conclusão correta é de que uma pessoa armada tem muito mais chances de morrer do que uma pessoa desarmada. E isso contrapõe o discurso do Bolsonaro, que diz que tem que dar arma para todo mundo”.

O deputado defende mudanças no Estatuto do Desarmamento, assim como o presidente dos Estados Unidos Donald Trump defendeu o direito de o norte-americano portar armas, prometendo proteger “as liberdades dos americanos”. “Eu entendo que o cidadão armado é a primeira linha de defesa de um país que quer ser democrático. Tem que abrir para o maior número de pessoas ter o porte de armas”, disse Bolsonaro.

Para o delegado, o importante é centrar a agenda nacional nas questões sociais, impedindo que a disputa seja centrada no tema da segurança pública, e que setores das classes populares – vitimas diretas da insegurança e da violência -, adiram à centralidade dos problemas de segurança e da necessidade de ainda mais violência.

“Foi na onda desse discurso de insegurança que Trump cresceu nos Estados Unidos, vendendo a ideia de construir um muro para os mexicanos. Enquanto ficarmos discutindo argamassas no muro do colégio e não a qualidade do ensino naquele colégio, estamos dando munição para eles”, completou Zaccone.

Trump brasileiro

Chamado de “Trump brasileiro” pelos jornais norte-americanos, o deputado parabenizou o presidente por ter sido eleito nos Estados Unidos, e relacionou, na época, o resultado no país com o Brasil. “Vence aquele que lutou contra ‘tudo e todos’. Em 2018 será o Brasil no mesmo caminho”, disse, através de sua conta oficial no Twitter.

Mês passado, o jornal Quartz publicou uma comparação entre o brasileiro e o presidente norte-americano, que também era tido como candidato improvável nas eleições à Casa Branca em 2016. “A eleição de Trump ensinou aos norte-americanos que qualquer candidato, não importa de que forma ele pareça, deve ser levado a sério por todos antes que seja tarde demais”, diz o texto.

A publicação ainda diz que o brasileiro se compara com outros candidatos de extrema-direita. “Da mesma forma que a oposição está tentando sufocar o movimento de Le Pen na França, eles estão tentando prejudicar minhas chances em 2018”, ressaltou Bolsonaro em entrevista.

Mais recentemente, o diário norte-americano The Huffington Post publicou uma matéria sobre a crise da corrupção que assola a política do Brasil, avaliando que a condenação e possível prisão de um ex-presidente, potencial candidato para as eleições do próximo ano, levará o país a uma crise ainda maior. De acordo com Post, quem pode estar em posição de capitalizar com a queda de Lula é Jair Bolsonaro.

“Existe a preocupação de que essas forças autoritárias possam se aproveitar desta situação”, disse Bruno Brandão, gerente de país da Transparência Internacional´- uma organização sem fins lucrativos de combate à corrupção – ao Huffington Post. “Por todo o significado global das crises em curso no Brasil, este é o principal motivo de preocupação para o Brasil”, finaliza.

Pesquisa

A última pesquisa do Datafolha, publicada em 26 de junho deste ano, destaca a colocação de Jair Bolsonaro e Marina Silva (Rede) em segundo lugar na disputa pela liderança, que está ocupada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nos cenários de 1º turno da eleição presidencial de 2018.

A pesquisa aponta ainda que o deputado pelo PSC também se destaca entre os mais jovens (tem 23% das intenções de voto, ante 32% de Lula e 18% de Marina). E em classes onde a renda familiar varia de 2 a 10 salários, Bolsonaro ganha terreno: na parcela com renda família de 2 a 5 salários, ele tem 20%, ante 24% de Lula e 16% de Marina. Entre quem tem renda de 5 a 10 salários, Bolsonaro vai a 25%, à frente de Lula (19%) e Marina (10%). Entre os mais ricos, com renda mensal familiar superior a 10 salários, ele tem 20%, ante 12% de Lula e 8% de Marina.

“Dado o aumento nas pesquisas, e algumas bandeiras defendidas pelo deputado, é óbvio que há certo conservadorismo em parte do eleitor. Sempre houve uma preocupação, inclusive de candidatos considerados viáveis, de ter uma postura mais cautelosa com assuntos polêmicos. Quando as pessoas assumem um radicalismo, seja para um lado quanto para o outro, é porque existe uma parcela da sociedade que mostra aderência. No mínimo, o assunto ganha espaço e evidência, e isso acaba encorajando discursos similares ao dele, ainda que de forma tímida”, finalizou Cristiano Noronha.