Por que Tony Scott será lembrado por “Fome de Viver”

Atualizado em 21 de agosto de 2012 às 10:18
Tony Scott

O diretor inglês Tony Scott se suicidou de maneira cinematográfica: no domingo, dia 19, ele se atirou da ponte Vincent Thomas, em Los Angeles, que serviu de cenário para As Panteras e Velozes e Furiosos. A Guarda Costeira diz ter encontrado notas de despedida em seu Toyota Prius preto, estacionado ao lado. Scott tinha 68 anos e, segundo a rede de televisão ABC, estava com um câncer no cérebro inoperável. A família negou.

Irmão de Ridley Scott (Alien, Blade Runner, O Gladiador), seu maior sucesso foi Top Gun, de 1986, com Tom Cruise, que faturou mais de 350 milhões de dólares. Top Gun foi responsável por lançar a carreira de Cruise como superstar – e também por colocar na cabeça de milhões de pessoas a xaropada de Take My Breath Away, interpretada pela banda Berlin e escrita pelo hitmaker Giorgio Moroder. Ganhou o Oscar e o Golden Globe de canção original. A voz de Terri Nunn nunca mais sairá da sua mente, bem como o riff de teclado (aposto como você está cantando agora).

Tony Scott nunca levou um Oscar de diretor ou filme. Não mereceu. Sua especialidade era a ação: Dias de Trovão, Maré Vermelha, Incontrolável, Deja Vu, O Último Boy Scout… Explosões, correria, mais explosões, mais correria, eventualmente com Bruce Willis ou Denzel Washington no meio. Amor À Queima Roupa, com roteiro de Quentin Tarantino, é uma boa exceção, com pelo menos um trecho antológico: o encontro entre Dennis Hopper e o mafioso siciliano interpretado por Christopher Walken: “Eu não sei se você sabia, mas os sicilianos foram inseminados por crioulos”, diz Hopper. Segue-se um típico e memorável diálogo tarantinesco.

A ponte de onde ele teria se atirado

O melhor de Tony Scott, porém, não é nenhum desses. É o primeiro: Fome de Viver, de 1983, um dos filmes mais subestimados de todos os tempos. Sim, ele vinha com sua estética de propaganda de TV (ah, aquelas cortinas esvoaçantes, aqueles pombos, a fotografia em sépia, a sensação de que uma voz em off diria Lux Luxo…). Mas tinha um clima gótico incrível, uma trilha matadora, um belo enredo noir e Catherine Deneuve em seu derradeiro suspiro de beleza, em cenas de sexo com uma ainda bonita Susan Sarandon. David Bowie também brilhava como um de seus amantes. Deneuve era Miriam, predadora que, ocasionalmente, trocava o sangue com seus favoritos, que se tornavam imortais – mas envelheciam. Miriam, então, guardava-os em caixões no sótão de sua cobertura (com as cortinas esvoaçantes, os pombos etc). Bowie estava muito à vontade no papel do amante-vampiro que envelhece 150 anos na sala de espera do médico.

A abertura é inesquecível, com a banda Bauhaus cantando Bela Lugosi is Dead numa disco, enquanto La Deneuve abatia uma vítima no banheiro com seu pingente egípcio cavernoso. Tony Scott deve ter pensado que cravar os dentes no pescoço das pessoas não pegaria tão bem para uma atriz tão sofisticada. Crepúsculo é uma espécie de versão de Fome de Viver para crianças. Sinal dos tempos.

Vai além de um filme de vampiro. Um thriller psicológico que fala de vício, amor, morte, sexo, dependência, juventude e velhice. Ok, sobram aqueles penteados e roupas tenebrosos dos anos 80. Mas, se Tony Scott merece ser lembrado na história do cinema, é por Fome de Viver. RIP.