Vivi pra ver um colunista da Veja defender Chico Buarque. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 26 de dezembro de 2015 às 10:27
Leitores da Veja não aceitam que Chico seja defendido
Leitores da Veja não aceitam que Chico seja defendido

Eu vivi pra ver um colunista da Veja defender Chico Buarque. Na última coluna de Marcelo Madureira, intitulada “Respeite o Chico”, ele fala do último impropério no Leblon, quando meia dúzia de playboys direitistas insultaram o artista:

“Chico Buarque não é um merda, é um grande compositor. (…) a gente tem que aprender a ter uma discussão política elevada.”

Madureira não ultrapassou o óbvio, o corriqueiro, o trivial; o seu discurso pode ser traduzido num simples convite ao respeito e à civilidade – mas, para os leitores da Veja, isso é pedir muito.

Tanto que muitos comentários infelizes seguiram o vídeo.

“Nossa paciência se esgotou!!! Não vai ter dialogo!!! Lugar de bandido é na cadeia, e o Chico é um MMMMDDD mesmo!!”

Esse comentário destila ódio em cada exclamação. Eu quase posso ver um leitor enfurecido, ruborizado e com as veias faciais saltadas enquanto digita odiosamente em caps lock. Seria mais fácil e mais salutar encontrar contra-argumentos. Mas como contra-argumentar a ideia de respeito e civilidade? Como contra-argumentar, aliás, qualquer coisa que seja, se você se informa com a Veja?

“Que vídeo infeliz. Chico Buarque achincalha brasileiros, aqueles que por anos compraram seus discos. Comunista não merece respeito, merece dedo na cara e denúncia pública.”

Este já não faz questão de disfarçar: diz com todas as letras quem não concorda com suas ideias doentias não merece respeito. Talvez Alexandre Frota, o “artista” e herói da direita, o mereça. O dedo de um direitista odioso na cara de Chico Buarque é quase uma piada. Seria trágico se não fosse cômico.

“Desculpa, Madureira: o Chico Buarque e TODOS os que pensam como ele nos tratam como inimigos; eles, que se acham donos da Virtude, crêem que nós – você, eu, etc etc – somos merdas. “Não dá para ser racional com o câncer”. Por tudo isso é que entre nós, gente que respeita as diferenças, e eles, os merdas são eles. E o Buarque, por ser porta-voz daquela mentalidade doentia, se outorga publicamente o título de MERDA.”

Aqui se ultrapassa todos os limites da coerência: Xingar um artista – e TODOS os que pensam como ele – é de fato uma prova clara de respeito às diferenças.

Compreensível: leitores da Veja passam longe da coerência.

Além destes, seguem muitos outros comentários de doer os olhos. Eis, portanto, o melhor conselho para os tempos de ódio: Jamais leia os comentários. Se eles forem escritos em uma coluna da Veja, então…

Você provavelmente encontrará um punhado de ignorância e muito ódio (eles andam de mãos dadas). Meia dúzia de insultos, xingamentos em caps lock, longos textos que não dizem absolutamente nada.

Não raro, os insultos são o disfarce para a falta de argumentos. É por isso que xingaram o Chico no Leblon. É por isso que nas manifestações pró-impeachment jamais houve discussão política – havia apenas o ódio sendo destilado da maneira mais asquerosa possível.

Fascistas não argumentam, bradam. Não competem, tentam ganhar no grito. E estão tão convencidos de suas irracionais certezas que passam de todos os limites do aceitável.

Os comentários da Revista Veja refletem fidedignamente o pensamento da elite brasileira. Tão fidedignamente que chega a me dar náuseas. Aquela gente que troca de carro duas vezes por ano e não lê um livro sequer. Que usa o próprio dinheiro em viagens para a Disney e nunca vai ao teatro – porque se vai, não entende absolutamente nada.

Poderiam consumir música de qualidade, cinema, literatura, arte. Mas estão ocupados lendo – e comentando – a Veja. Poderiam tentar compreender um pouco melhor a lógica das coisas em vez de consumir um discurso fabricado pela mídia. Assim, quem sabe, passariam menos vergonha.
Mas não. Preferem ir às ruas fazer coreografia pró-impeachment – que tipo de manifestação séria faz uma coreografia ritmada, Santo Cristo? – e expor cartazes que nos causam uma mistura de asco e vergonha alheia.

Para eles, Chico Buarque é um merda e Alexandre Frota é um mito.

Marcelo Madureira bem que tentou. Mas o que esperar de quem lê a Veja?