Ziraldo e a prova de que a filosofia do “ame-o ou deixe-o” é o triunfo da estupidez

Atualizado em 17 de outubro de 2014 às 17:09
"Não tem de aplaudir!"
“Não tem de aplaudir!”

O escritor Luiz Rufatto prestou um serviço à imagem do Brasil que anos de propaganda oficial não foram capazes de realizar.

Ao fazer um discurso brutal e fora do protocolo na cerimônia de abertura da Feira do Livro de Frankfurt, ele matou a possibilidade de que o oba-oba triunfasse. A cacetada de Rufatto abriu caminho para outros escritores mostrarem um quadro do Brasil que não deveria caber numa feira internacional. Mas a sinceridade acabou se mostrando muito mais efetiva do que se a comitiva estivesse em ritmo de time olímpico da Alemanha Oriental dos anos 70, em que só boas notícias poderiam ser veiculadas.

No encerramento, Paulo Lins, o negro do grupo, afirmou que o Brasil é racista, “como todos os países da Europa”. “A verdade tem que ser dita e encarada para alcançarmos mudanças substanciais na sociedade brasileira tão sofrida, tão marcada pela violência e pelas injustiças sociais. Por isso, deixo sem comentários a palavra do nosso vice-presidente e aviso que a poesia é uma coisa séria. Ela não se dá com qualquer um.”

Daniel Munduruku, o único indígena entre os 70 autores, deu um diagnóstico da situação dos índios. “Se houve muitos avanços no governo Lula, mais aberto ao diálogo, hoje retrocedemos. Nosso interesse é sobretudo em participar das decisões no que diz respeito às barragens hidrelétricas, que já estão acontecendo sem conversa”, disse.

Sem querer, gente como o cartunista Ziraldo ficou 200, 300 anos mais velha. Sua atitude — ele gritava “que se mude do Brasil, então!” para Ruffato — ecoava o “ame-o ou deixe-o” da ditadura. Ziraldo acabou passando mal depois. Fez um cateterismo na Alemanha. Ziraldo, de alguma maneira, é o retrato acabado de um tipo de artista se dá bem em qualquer situação. “Que se mude, então!”, ele gritava.

Marta Suplicy declarou que aquele não era lugar para “sociologia”. A conversa fica muito estúpida se você a reduz a esse tipo de dicotomia. Ao falar do país desta maneira crua num trem da alegria, Rufatto e seus amigos abriram um precedente interessante. O Brasil virou notícia e não pelos motivos de sempre. Um dia, quem sabe, os gringos pensarão que não temos só samba, futebol e cachaça.