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2015, o ano em que o fascista de Facebook pulou para a vida real. Por Kiko Nogueira

Profissão revoltado online

 

2015 foi o ano em que o fascista que já havia transformado o Facebook numa festa de família disfuncional interminável finalmente saiu para a rua.

Uma rápida cronologia (eventualmente, incompleta):

. Em fevereiro, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega foi hostilizado no hospital Albert Einstein, em São Paulo. Num hospital, repito. “Não tem vergonha na cara! Vai para o SUS!”, gritava uma mulher

. Em maio, o mesmo Mantega foi xingado num restaurante caro por dois animais (Acabou processando-os. Foram obrigados a um pedido de desculpas fingido)

. No mesmo mês, Alexandre Padilha, ex-ministro da Saúde e atual secretário de Relações Governamentais da cidade de São Paulo, teve de se retirar quando almoçava por causa de uma turma ruidosa que pediu uma salva de palmas irônica em sua “homenagem”

. Em julho, um bolsonarista invadiu a comitiva de Dilma em Washington e passou a gritar impropérios. Só parou quando apareceu a segurança do lugar

. Em novembro, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, ouviu ofensas de um sujeito acompanhado da mulher em Belo Horizonte. O homem  se acoelhou depois que Ananias perguntou seu nome

. Eduardo Suplicy, em outubro, levou dedo na cara, ameaças e perdigotos de extremistas na Livraria Cultura, especialmente de uma senhora apoplética

. Há uma semana, Chico Buarque foi cercado por playboys no Leblon que não se conformavam com seu apoio ao PT. Um deles, um desqualificado chamado Guilherme Mota, o chamou de “merda”

Provavelmente estou esquecendo outras ocorrências. Todas essas agressões tiveram como cúmplices os responsáveis pelos locais onde elas ocorreram. Ninguém, desde a direção até o gerente ou o garçom, esboçou qualquer gesto próximo de uma defesa das vítimas.

O discurso de ódio finalmente se transformou em violência física, na melhor tradição fascista. Muito se deve a gente Marcello Reis, o fundador dos Revoltados Online, um pioneiro, uma espécie de australopiteco da histeria virtual. Ele foi seguido por outros líderes golpistas, como Kim Kataguiri e Fernando Holiday, do MBL, entre outros e outras.

Eles contaminaram as redes com uma liberdade total para caluniar, mentir, difamar, inventar — tudo numa aceleração mental permanente, como se pelotões comunistas estivessem à frente deles, nus, prontos a subjugá-los ali, naquele momento.

O mau comportamento transbordou. De repente, a cunhada estava xingando a sobrinha de imbecil, o primo acusava o irmão de receber dinheiro de Cuba, amizades de 40 anos romperam etc.

Nas manifestações, crianças foram expostas a adultos mandando Dilma tomar no cu e velhinhas de praça carregavam cartazes com frases do tipo “Por que não mataram todos em 64?”.

Para usar uma imagem gasta, o ovo da serpente foi chocado. O que falta para esse “povo de bem” pegar uma porrete para bater nos “inimigos” em 2016? Nada.

O que estava confinado às margens da vida social e política tornou-se mainstream. Uma vez que essa delinquência passa a ser aceita, ela corroi a democracia e deixa tudo mais fraco e dividido.

Essa canalha não será a primeira a fazer a transição do ridículo para o perigoso e, finalmente, para o trágico. A vantagem é que, neste ano, tudo ficou claro como o dia e você não terá o direito de se surpreender. Mais do que isso, ficou evidente o nosso dever de reagir.

 

Kiko Nogueira

Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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Kiko Nogueira

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