A consciência tranquila de Celso de Mello ao manter Lula preso: Saulo Ramos avisou. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 26 de junho de 2019 às 8:25
Celso de Mello

Por três votos contrários e dois favoráveis, a Segunda Turma do STF indeferiu a proposta de Gilmar Mendes de conceder a liberdade provisória a Lula enquanto o julgamento do HC no qual se questiona a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro não é finalizado.

O ex-presidente segue preso até agosto, uma vez que aquela foi última sessão do semestre.

Celso de Mello foi Celso de Mello.

O decano, em quem muita gente boa depositava sua esperança, votou contra a concessão da liminar.

Eu adoraria dizer que ele vai dormir com a consciência pesada por deixar um inocente na cadeia, mas esse simplesmente não é o caso.

Celso vai para a cama tranquilo por continuar trabalhando para a desmoralização da Justiça e por fechar os olhos diante do arbítrio lavajatista que se escancarou no Brasil.

É de onde se espera que não vem nada, mesmo.

Ao dar o voto decisivo contra a soltura de Lula, Mello afirmou que o ex-presidente já foi condenado em três instâncias e não há certeza sobre a autenticidade das mensagens de Sergio Moro e Dallagnol.

Celso quer mais do que um batom na cueca.

Pode cair em si daqui a dois meses?

Vai depender do que ainda será revelado no escândalo da Lava Jato por Glenn Greenwald.

Por ora, reproduzo aqui uma história sobre Celso de Mello relatada no livro “Código da Vida”, de Saulo Ramos, ex-ministro da Justiça responsável por sua indicação durante o governo de José Sarney:

“Terminado seu mandato na Presidência da República, Sarney resolveu candidatar-se a Senador. O PMDB — Partido do Movimento Democrático Brasileiro — negou-lhe a legenda no Maranhão. Candidatou-se pelo Amapá. Houve impugnações fundadas em questão de domicílio, e o caso acabou no Supremo Tribunal Federal.

Naquele momento, não sei por que, a Suprema Corte estava em meio recesso, e o Ministro Celso de Mello, meu ex-secretário na Consultoria Geral da República, me telefonou:

— O processo do Presidente será distribuído amanhã. Em Brasília, somente estão por aqui dois ministros: o Marco Aurélio de Mello e eu. Tenho receio de que caia com ele, primo do Presidente Collor. Não sei como vai considerar a questão.

— O Presidente tem muita fé em Deus. Tudo vai sair bem, mesmo porque a tese jurídica da defesa do Sarney está absolutamente correta.

Celso de Mello concordou plenamente com a observação, acrescentando ser indiscutível a matéria de fato, isto é, a transferência do domicílio eleitoral no prazo da lei.

O advogado de Sarney era o Dr. José Guilherme Vilela, ótimo profissional. Fez excelente trabalho e demonstrou a simplicidade da questão: Sarney havia transferido seu domicílio eleitoral no prazo da lei. Simples. O que há para discutir? É público e notório que ele é do Maranhão!

Ora, também era público e notório que ele morava em Brasília, onde exercera o cargo de Senador e, nos últimos cinco anos, o de Presidente da República. Desde a faculdade de Direito, a gente aprende que não se pode confundir o domicílio civil com o domicílio eleitoral. E a Constituição de 88, ainda grande desconhecida (como até hoje), não estabelecia nenhum prazo para mudança de domicílio.

O sistema de sorteio do Supremo fez o processo cair com o Ministro Marco Aurélio, que, no mesmo dia, concedeu medida liminar, mantendo a candidatura de Sarney pelo Amapá.

Veio o dia do julgamento do mérito pelo plenário. Sarney ganhou, mas o último a votar foi o Ministro Celso de Mello, que votou pela cassação da candidatura do Sarney.

Deus do céu! O que deu no garoto? Estava preocupado com a distribuição do processo para a apreciação da liminar, afirmando que a concederia em favor da tese de Sarney, e, agora, no mérito, vota contra e fica vencido no plenário. O que aconteceu? Não teve sequer a gentileza, ou habilidade, de dar-se por impedido. Votou contra o Presidente que o nomeara, depois de ter demonstrado grande preocupação com a hipótese de Marco Aurélio ser o relator.

Apressou-se ele próprio a me telefonar, explicando:

— Doutor Saulo, o senhor deve ter estranhado o meu voto no caso do Presidente.

— Claro! O que deu em você?

— É que a Folha de S.Paulo, na véspera da votação, noticiou a afirmação de que o Presidente Sarney tinha os votos certos dos ministros que enumerou e citou meu nome como um deles. Quando chegou minha vez de votar, o Presidente já estava vitorioso pelo número de votos a seu favor. Não precisava mais do meu. Votei contra para desmentir a Folha de S. Paulo. Mas fique tranqüilo. Se meu voto fosse decisivo, eu teria votado a favor do Presidente.

Não acreditei no que estava ouvindo. Recusei-me a engolir e perguntei:

— Espere um pouco. Deixe-me ver se compreendi bem. Você votou contra o Sarney porque a Folha de S. Paulo noticiou que você votaria a favor?

— Sim.

— E se o Sarney já não houvesse ganhado, quando chegou sua vez de votar, você, nesse caso, votaria a favor dele?

— Exatamente. O senhor entendeu?

— Entendi. Entendi que você é um juiz de merda! Bati o telefone e nunca mais falei com ele.”