“Conte conosco. Você é o cara”: a devoção de Dallagnol por Moro não atropelou só a Justiça. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 11 de outubro de 2019 às 5:43
Moro e Dallagnol

Noves fora todas as ilegalidades, há algo de patológico e imoral na relação entre Sergio Moro e Deltan Dallagnol que ficou exposto na divulgação dos diálogos pelo Intercept.

Fica evidente, em primeiro lugar, que Moro era o verdadeiro chefe da operação.

Dallagnol pede orientação para tudo e se alegra em obedecê-lo e louvá-lo como o eunuco de um faraó.

Em março de 2016, o procurador se derrama diante da grandeza do guia genial dos povos.

“Você hoje não é mais apenas um juiz, mas um grande líder brasileiro (ainda que isso não tenha sido buscado). Seus sinais conduzirão multidões, inclusive para reformas de que o Brasil precisa, nos sistemas político e de justiça criminal”, afirma.

“Sei que vê isso como uma grande responsabilidade e fico contente porque todos conhecemos sua competência, equilíbrio e dedicação”.

Roga que Moro “assuma mais” a campanha pela aprovação das famosas “10 medidas de combate à corrupção”.

“A sociedade quer mudanças, quer um novo caminho, e espera líderes sérios e reconhecidos que apontem o caminho. Você é o cara”, declara.

“Não é por nós nem pelo caso (embora afete diretamente os resultados do caso), mas pela sociedade e pelo futuro do país”.

No papo trazido à tona no domingo, dia 23, na Folha, Dallagnol faz um apelo a seu morubixaba:

Não desanime com a decisão do Teori de ontem ou com os fatos e lambanças recentes. As coisas vão se acalmar. É um momento de ânimos exaltados. Saiba não só que a imensa maioria da sociedade está com Vc, mas que nós faremos tudo o que for necessário para defender Vc de injustas acusações. Uma das coisas que mais tenho admirado em Vc – uma nova face de suas qualidades – é a serenidade com que enfrenta notícias ruins e problemas. Se alguém tivesse te apresentado tudo o que aconteceria num caso como esses há 5 anos e te desse a opção de entrar nisso ou não, eu não tenho dúvidas de que Você entraria com tudo. Não há como estar no maior caso de corrupção que envolve os maiores interesses da República e esperar águas tranquilas. Continue firme, não desanime e conte conosco. “Smooth waters don’t make good sailors”.

A relação de mestre e gafanhoto ou de dominatrix e submisso lembra, na esfera da perseguição jurídica, a parceria entre Joseph McCarthy e Roy Cohn nos EUA dos anos 50.

McCarthy foi o grande inquisidor daquela caça às bruxas, período tenebroso da história americana em que inocentes foram arruinados sob a acusação de ser comunistas ou homossexuais.

Ele era assistido por um Cohn, ambicioso advogado, absolutamente inescrupuloso, jovem devoto do mandachuva.

Como promotor, condenou à cadeira elétrica o casal Ethel e Julius Rosenberg, acusado de revelar segredos de projetos atômicos para a União Soviética.

A dupla alimentou conspirações paranoicas numa nação tomada pelo ódio e pelo fantasma soviético. Num determinado momento, o presidente Eisenhower teve de intervir.

McCarthy foi humilhado numa audiência em 1954 em que o advogado Joseph Welch lhe indagou, diante das câmeras: “O senhor não tem nenhum senso de decência?”

Posto no ostracismo, morreria três anos depois, quebrado e alcoólatra.

Cohn o amava e lamentou seu destino. Seguiu adiante, defendendo mafiosos como as famílias Gambino e Genovese.

Nos anos 70, representou o jovem Donald Trump num processo. Trump e o pai eram investigados pelo governo por se recusar a alugar apartamentos no Brooklyn para negros.

Dono de um estilo agressivo, gostava do mote “ataque, ataque, ataque”. Nunca deixou de honrar McCarthy, seu mentor, sem o qual não seria ninguém.

Acabou condenado por se apropriar dos bens de um multimilionário que estava à beira da morte.

Cohn entrou no quarto do velho e, segurando sua mão, fez com que ele assinasse um documento lhe transferindo o patrimônio. 

Morreu em 1986, aos 59 anos, em decorrência da Aids. O homem que acossava gays era gay.

Gostava de repetir: “Você quer fazer as leis ou quer estar sujeito a elas? Escolha”.

Qualquer coincidência é mera semelhança.

McCarthy e o assistente Roy Cohn